Jogador, Árbitro, Dirigente, Treinador e Observador. Este é, de forma sucinta, o percurso desportivo de Hélio Paulo Simas Duarte, cuja verticalidade o impediu de aceitar subornos, mantendo “limpa” uma carreira com mais de 30 anos.
Começou por jogar Futebol nos Flamengos e terminou no Sporting da Horta, onde conquistou o título de Campeão em 1990/1991.
O gosto pelo Andebol e a participação na Selecção Açores levaram-no a fazer um Estágio no Sporting, tendo dado continuidade à modalidade no INATEL, onde as exigências se coadunavam melhor com a sua vida profissional.
O Futsal também fez parte das preferências desportivas deste feteirense, sendo praticado no Verão, no intervalo do Futebol. Uma lesão grave veio pôr fim ao percurso de Jogador, abrindo espaço para a Arbitragem (de Futebol e Futsal), onde se contam mais de 25 anos de actividade federada, representando sempre a Associação de Futebol da Horta (AFH). O ponto alto na carreira foi como Árbitro (de Futebol) Assistente nos Nacionais, onde trabalhou com grandes figuras no plano nacional e internacional.
Este homem do Desporto – premiado em 2017, 2017/2018 e 2020 – foi Vice-Presidente do Conselho de Arbitragem (CA) da AFH, sendo o Coordenador do Centro de Treinos dos Árbitros deste organismo desportivo.
As últimas temporadas têm sido passadas como Observador Distrital no Campeonato de Futebol dos Açores (CFA), tendo sido solicitado pela AFH para dar igual contributo em jogos locais.
Cristina Silveira
Foi na rua, que Hélio Paulo Simas Duarte, com 10/11 anos, começou a jogar à bola. O Futebol federado só foi uma realidade aos 15, pois há quatro décadas a Formação não existia. Os Juniores, no Futebol Clube dos Flamengos (FCF), foi o seu primeiro contacto a sério com a modalidade. “Naquela altura, era normal jogarmos, simultaneamente, nos escalões de Juniores e de Juvenis”, recorda o entrevistado, que aos 18 anos subiu a Sénior e passou a jogar no Sporting Clube da Horta (SCH). “Eu tinha poucos amigos neste Clube da cidade, mas um colega que trabalhava comigo na Câmara incentivou-me a ir para lá. Aceitei o convite do Sporting, que já pagava prémios de treino, mas não foi isso que me fez mudar de camisola, mas, sim, o facto de representar um salto qualitativo. Além de que eu não era opção nos Flamengos, pois embora jogasse havia sempre outros que se sobrepunham. Esta mudança foi uma boa motivação para mim e logo no primeiro ano – 1990/1991 – sagrámo-nos Campeões da AFH! Na época seguinte, o Sporting foi à América e eu integrei a comitiva”.
Equipa de Futebol do Sporting Clube da Horta, que se deslocou à América na temporada de 1991/1992, tendo como treinador Carlos Serpa. De realçar, que muitos destes jogadores tinham sido Campeões na época anterior.
Atrás, da esquerda para a direita: Eduviges Oliveira, guarda-redes; Paulo Simões, Serafim, Hélio Duarte, Luís Silveira, Noronha, Francisco Correia, Álvaro, António Raposo e Hugo, guarda-redes suplente.
À frente, pela mesma ordem: Duarte Nuno, David Bulcão, Paulo Jorge, Eduardo, Fernando Medeiros (“Velhinho”), Valter Nunes, Jorge Rosa e Roberto Pavão
A euforia foi interrompida pelo cumprimento, obrigatório, do serviço militar, mas volvido esse período Hélio Duarte regressa ao SCH para mais uma temporada, que seria a última ditada pela lesão grave que contraiu em campo.
Paralelamente ao Futebol, também houve uma passagem pelo Andebol, gosto que despertou ainda na Escola e que ganhou força com a participação na Selecção Açores, orientada pelo professor Rui Santos. Seguiu-se um Estágio no Sporting, mas as exigências do treino não eram compatíveis com a vida profissional deste atleta, que passou a integrar o Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres (INATEL). “Todos os anos, o INATEL organizava uma equipa, que era quase sempre constituída pelos mesmos elementos e jogava contra outras, como a da Casa do Povo dos Flamengos, da Sociedade Recreativa Pasteleirense, etc. No INATEL, jogava-se na mesma, mas as exigências eram bem menores, pois o que interessava era praticar desporto. Estava tudo mais direccionado para o pessoal que trabalhava. Havia menos dinheiro e menos regras. Gostava do grupo que tínhamos e registo com orgulho o facto de a grande maioria dos atletas que jogaram comigo – Miguel Ângelo, Paulo Cristo, Rui Machado e outros – é que ter levado o Sporting à III Divisão Nacional de Andebol”.
Equipa de Futsal “Os Fredericos”
O Futsal (outrora designado como Futebol de Salão) era praticado de Verão, aproveitando a pausa feita pelo Futebol. “A minha família, conhecida como “Os Fredericos”, juntava-se e fazia uma equipa de Futsal. Como éramos muitos primos, dava perfeitamente para formar um plantel e assim animávamos os meses quentes, mantendo sempre a prática desportiva. Eu tinha 16/17 anos e lembro-me de que havia muita gente envolvida no Desporto e muita vontade de jogar. Não tem nada a ver com o se verifica agora. Na minha opinião, na base do desinteresse manifestado pelos nossos jovens está a oferta excessiva de que dispõem. Quem tem tudo em casa, por que razão há-de querer ir treinar debaixo de chuva e frio? E nem mesmo as chamadas modalidades de pavilhão, como o Andebol, o Volei, o Basket ou o Futsal conseguem cativá-los.
A Série Açores foi pensada para o jogador açoriano (…) e não para promover os do Continente
Quando se diz que a Série Açores “matou” o Futebol na Região, é porque temos equipas no Campeonato de Futebol dos Açores (CFA) com mais de 90 por cento dos seus elementos oriundos do Continente português. A Série Açores foi pensada para o jogador açoriano, com o objectivo de “vamos evoluir!” Por que razão é que as equipas do Faial não passam da cepa torta no CFA? Porque é que temos uma equipa no Pico com 10/12 jogadores de fora? Porque é que na Graciosa (uma ilha pequena, onde há muito dinheiro) existem duas equipas só com jogadores do Continente? Por que razão o Lusitânia – um histórico do Futebol dos Açores – conta com 12 jogadores de fora? O Operário tem 15; o Ideal a mesma coisa e por aí fora. Isto não é Série Açores! Estamos aqui a promover os jogadores do Continente e a dar-lhes o dinheiro que estava destinado aos nossos jogadores e à sua evolução. São eles que levam os apoios que os Clubes açorianos recebem para dinamizar o nosso Futebol. Não fica nada na Região!
Já não há a rivalidade de antigamente
Eu gostava de voltar a ver o “amor à camisola”, mas não acredito! Já não há a rivalidade de antigamente. Quando alinhei pelo Sporting, não conhecia aquela realidade e sempre que íamos jogar com o Atlético aquecíamos no nosso próprio campo. Nem sequer nos deixavam aquecer no campo deles! E depois só atravessávamos para ir jogar, mas no intervalo lá voltámos ao nosso recinto. Quando era ao contrário, o pessoal do Sporting também lhes fazia o mesmo e o portão só era aberto cinco minutos antes do encontro para eles passarem. Todos levavam isto a sério! E havia público nas bancadas. Hoje, são muito poucos os que vão ao Futebol e isso também é desmotivante. Vejo mais gente num jogo de escalões de Formação do que num de Seniores. Sei que o grosso do público são os pais dos atletas, mas neste aspecto houve uma grande evolução, o que é de aplaudir. É importante haver este acompanhamento, como é igualmente relevante os Clubes estarem a apostar na Formação, pois é preciso incentivar os miúdos, que são a base do amanhã. Esta temporada, um Clube da AFH, que militou no CFA, nem sequer tinha uma equipa de Juniores ou de Juvenis! Como é que vamos chegar lá sem bases? Bem sei que nestas idades os jovens saem dos Açores para prosseguirem estudos no Continente, mas este não é um mal exclusivo do Faial ou do Pico. No entanto, as ilhas com maior densidade populacional aguentam-se melhor do que nós.
Lembro-me de que a Associação de Futebol da Horta dispunha de 21 árbitros - sete trios, só no Faial. Tínhamos muitos árbitros, mas, também, muitas equipas. Havia mais equipas seniores. Ao contrário de agora, a Formação das camadas jovens apenas era uma realidade nos Flamengos, Fayal, Sporting, Atlético e mais tarde no Salão, que fez uma equipa de Juniores e se sagrou campeã.
O Futebol do meu tempo era muito diferente do de agora. Já como Árbitro, disse a alguns jogadores, que por vezes me questionavam: “Se tivesses vindo há dez anos, nem servias para limpar as botas dos jogadores desse tempo. Cheguei a ter este desabafo, pois a verdade é que no Faial havia muito bons jogadores, com muita vontade, e o pessoal trabalhava.
Nunca pensei que pudesse ver o declínio a que chegou o nosso Futebol! Mas a verdade é que o nosso Futebol é a imagem dos nossos jogadores. Já foi muito bom!
Não precisamos de mais equipas, mas, sim, de mais qualidade
Na actualidade, manter um Clube no activo é cada vez mais uma missão difícil, sobretudo devido à falta de responsabilidade dos jogadores e dos pais. É preciso que todos percebam o compromisso que assumiram. Muitas vezes, os meninos é que decidem se vão ou não ao treino, esquecendo-se que um Clube paga quase 100 euros pela inscrição de cada jogador e se não tiver o plantel completo para jogar sujeita-se a uma multa. E mesmo com tudo à borla, como equipamento, transportes, assistência médica, etc, ainda se acham mal.
Enalteço a Formação que está a ser feita – e bem! – mas o aproveitamento é muito reduzido. São poucos os que regressam depois de prosseguir estudos superiores. O que nós precisamos não é de mais equipas, mas, sim, de mais qualidade. E isso só se consegue com trabalho, disponibilidade e vontade. Só com trabalho não chegamos lá. Tem de haver também vontade e alguma qualidade.
Deveria haver uma compensação para os Dirigentes
Dou muito valor a quem se dedica à Formação dos mais novos, despendendo do seu tempo, e por vezes até dos seus meios, e no fim ainda é incompreendido ou criticado. Por isso, sempre defendi que deveria haver uma compensação para os Dirigentes, algo que os cativasse e compensasse.
Tenho bem presente que quando vim jogar para o Sporting, houve eleições e havia quatro ou cinco listas concorrentes. Porquê? Porque era uma forma de quem tinha formação ou algum estudo progredir na sua vida, pois havia como que um compromisso em ajudar aquela pessoa a arranjar um trabalho. Prestava-se um serviço à comunidade, mas havia um género de compensação. Agora, continuam a arranjar empregos, sem qualquer compromisso do ponto de vista social.
Quem não está envolvido neste ambiente nem passou por cargos de dirigismo não tem noção do que isto implica. Movimentar centenas de atletas em quatro ilhas, como acontece com a AFH, é um trabalho de grande responsabilidade e gestão. Era bom que muitos mais passassem pela experiência de gerir algo, mas o que é certo é que a maioria não tem capacidade para tal”.
“A Arbitragem permitiu-me continuar ligado ao Futebol”
Ter um irmão árbitro – Herculano Duarte, que representou a AFH, tendo, também, integrado os Corpos Gerentes do Conselho de Arbitragem – fez nascer em Hélio Duarte a vontade de experimentar. “Mesmo quando jogava Futebol, já tinha apitado alguns encontros – quando não estava convocado – pois, tal como agora, não havia árbitros em número suficiente.
Fiz o Curso de Árbitro de Futebol em 1991, na Associação de Futebol da Horta, antes de sofrer a lesão, mas foi este fatídico acontecimento que me levou definitivamente para a Arbitragem, onde arranquei oficialmente em 1994.
Sentia-me bem a arbitrar e a frustração que se apoderou de mim por não poder fazer aquilo que mais gostava, que era jogar, aproximou-me ainda mais, uma vez que a Arbitragem permitiu-me continuar ligado ao Futebol. Mas tenho de evidenciar que é preciso estar bem preparado e ter muito estofo, pois os embates são duros de suportar.
(…) já fui ameaçado, mas nunca saí de campo com escolta policial
Regra geral, os árbitros são insultados, atendendo a que é fácil culpá-los pelo que corre mal durante o jogo. Sempre impus respeito e nunca deixei que se aproximassem demasiado. Houve encostos e reacções acaloradas, mas jamais chegou ao ponto de ser agredido. Contudo, fora do rectângulo já fui ameaçado, mas nunca saí de campo com escolta policial. Também nunca tive situações de pneus furados, riscos no carro ou algo do género.
Recordo o jogo inesquecível, realizado em São Miguel, entre Rabo de Peixe e Ideal, com uma assistência superior a 2.400 pessoas, e decorreu tudo tranquilamente. Mesmo fora “de casa” nunca precisei de protecção. Sou muito mais respeitado fora da ilha do que localmente. Lamento que seja assim.
A Arbitragem implica uma grande dedicação. Durante toda a minha carreira de Árbitro, só no Verão é que passava os fins-de-semana em casa. Sei que perdi muitos momentos familiares e da infância do meu filho. Sempre que saía da ilha, estava fora o fim-de-semana completo e nos jogos locais, ao sábado e domingo, saía de manhã e só chegava à noite.
O melhor é o árbitro não ser notado
Já elogiaram o meu trabalho enquanto Árbitro e tenho uma boa relação com treinadores e dirigentes. Mas também já tive casos polémicos no Campeonato de Futebol dos Açores (CFA), um dos quais na Graciosa. O melhor é o árbitro não ser notado e isso acontece quando corre tudo bem do princípio ao fim do jogo. E agora pergunta-me: “E isso é possível?” Posso garantir que sim. Dá-se quando o grupo quer jogar à bola e não tem tempo para outras coisas, como arranjar situações, abeirar-se do árbitro e mandar “bocas”, etc.
(…) no dia em que eu aceitasse ser subornado, deixava a Arbitragem
A maneira de ser da pessoa influencia o trabalho em campo. Se eu for exigente, certamente que também o serei como Árbitro; mas se for condescendente vou relevar e os jogadores habituam-se a isso e não me levam a sério. E isto aplica-se a outras situações, concretamente em termos de corrupção. No fim do jogo, já me pediram para fechar os olhos a situações decorridas em campo, mediante a oferta de contrapartidas. Na altura, o pagamento ao árbitro era feito em dinheiro, pelo que era bem fácil aceitar o suborno. Esta questão constituiu uma luta muito antiga que travei na Associação de Futebol da Horta, desde o tempo do Faria de Castro. Como ele não queria ter responsabilidades, os Clubes é que pagavam os honorários dos árbitros, pelo que houve alguns episódios de favorecimento, mediante suborno de certos juízes. Uma das pessoas que me abordou para que eu aceitasse “luvas”, questionou o facto de eu ser diferente dos outros, o que o deixou incomodado. Mas posso garantir que no dia em que eu aceitasse ser subornado, deixava a Arbitragem. Sempre preferi ir para os relvados com equipamento desgastado e botas velhas, ao contrário de outros que tinham tudo do bom e do melhor, mas com a certeza de que jamais alguém poderia acusar-me de corrupto. Não é o equipamento que faz o árbitro, mas, sim, este que deve dignificar o equipamento que enverga.
Alguns colegas assistentes também me abordaram no sentido de saber por que motivo é que eu não aceitava ser subornado, mas todos os que me questionavam já sabiam que não iam mais arbitrar comigo.
Quem abre um precedente, está “vendido” para sempre. E não é só o árbitro, como também os colegas, os directores, toda a gente sabe disso! Nesta altura – há mais de 20 anos – eu ia apitar um jogo de Seniores por 1.500 escudos. Portanto, era facílimo ganhar o dobro ou o triplo!
Esta era uma prática antiga e recorrente, pois quando comecei na Arbitragem, bem novinho, já me tinham chamado a atenção para o que se estava a passar com alguns árbitros na Associação.
(…) há pessoas que prejudicam, deliberadamente, o nome e o trabalho da AFH
O Presidente do Conselho de Arbitragem (CA) da AFH [Marco Silva] tem-se debatido contra esta situação e muitos lhe apontam o dedo por não compactuar com este jogo de corrupção. Alguns árbitros deixaram de exercer, mas eu nunca concordei que o processo tivesse sido conduzido da forma como foi, pois o correcto era terem sido expulsos. Devido aos factos ocorridos e às provas existentes, o procedimento certo tinha sido a expulsão desses elementos para que todos soubessem a verdade e servissem de exemplo a quem estava fazendo o mesmo. Mas apenas foram convidados a sair, dando a ideia de que não aconteceu nada de grave. É bom saber que a “limpeza” está praticamente feita.
O Marco tem agido com demasiada calma neste tipo de situações, pelo que eu digo sempre que não poderia estar no lugar dele, pois lido mal com injustiças, mentiras, corrupção, etc. Percebo que tem de haver compreensão da parte de quem lidera, mas não tenho estofo para aturar comportamentos desviantes de certas pessoas que prejudicam, deliberadamente, o nome e o trabalho da Associação de Futebol da Horta. Alguns mandam “bitaites”, dizendo que eu poderia presidir ao Conselho de Arbitragem. É verdade que tenho experiência e conheço bem “a casa” e o meio, mas é algo que teria de ser muito ponderado, pois eu conheço-me e sei que não ia tolerar muitas das situações que ocorrem neste meio e que nos impedem de chegar mais longe. Nós temos capacidade para obter resultados melhores. Por que razão nos deixamos diminuir por quem não leva isto a sério?
Os árbitros têm de estar em forma, o que implica treinar
Trio de Arbitragem da AFH na Taça “Cândido Faria” 2014, composto por Hélio Duarte, Flávio Costa e Luís Borges
Fotografia: Facebook de Flávio Costa
Antigamente, os árbitros iam correr para a rua no sentido de estarem minimamente preparados do ponto de vista físico. Estávamos por nossa conta. Já com o Carlos Neves na presidência do CA foi possível arranjar um espaço para treinar, mas íamos para o campo onde estavam as equipas e os adeptos, o que provocava um mal-estar pelo facto de ao domingo “terem de levar connosco”, se bem que nós, árbitros, “é que levávamos com eles”. Perante isso, optámos por nos juntarmos e ir correr para a avenida, praia de Porto Pim, etc, e assim fazermos os nossos treinos.
Com a vinda do CFA, através do CA da AFH conseguimos ir treinar para o sintético da Escola Secundária Manuel de Arriaga (ESMA), onde decorriam os treinos semanais.
É incompreensível que ainda hoje perdure na mente de algumas pessoas a ideia de que para se ser árbitro basta aparecer no campo e apitar! Há também quem pense e até nos diga que estamos ali pelo dinheiro. Quem é que se sujeita a ir para um campo, ao fim-de-semana, com chuva e vento, para ganhar 10/15 ou mesmo 20 euros? Isto sem mencionar os insultos, que são quase sempre garantidos. Perante a incredulidade de algumas pessoas, cheguei a mostrar o recibo para comprovar que não estava a mentir e a reacção foi esta: “Eh, pá! Eu não perdia tempo para ganhar essa miséria!” É por estas e por outras que eu digo sempre que cada um só deve falar daquilo que sabe, em vez de ofender quem dá o seu melhor, pois essas suspeições só provocam mau ambiente e intrigas, minando o terreno a quem quer trabalhar em prol da sua comunidade. Curiosamente, quando se convida estes críticos para colaborar e perceberem como é que as coisas funcionam por dentro, estão sempre muito ocupados! Dirigentes, treinadores e árbitros de bancada é o que mais há!”
2015: Árbitros em Formação, em Ponta Delgada
“Estou muito desiludido com a fraca adesão dos árbitros aos treinos (…)”
Desde há três temporadas, que Hélio Duarte é o Coordenador do Centro de Treinos dos Árbitros da AFH, o mesmo é dizer que é o Treinador dos Árbitros, cargo que anteriormente era da responsabilidade do professor João Rosa.
“O CA lançou-me o desafio para fazer uma formação e passar a acumular mais esta função e eu concordei. Temos 17 árbitros inscritos na AFH. Quando eu apitava no CFA, conseguíamos fazer treinos com 15/16 pessoas. Os meus assistentes vinham treinar comigo toda a semana. Desde há algum tempo que o pessoal não tem tempo para treinar, não manifestando disponibilidade para fazer uma formação. Assim, não se pode ser árbitro. O Marco organiza uma formação e traz um assistente internacional ou mesmo um árbitro internacional e a adesão é reduzida. O Presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol é convidado para vir dar uma formação e aparecem cinco ou seis pessoas. Assim, não vale a pena estar a gastar dinheiro, pois os árbitros não estão interessados. Mas depois queixam-se e exigem!
Estou muito desiludido com a fraca adesão dos árbitros aos treinos, ainda mais porque fui um dos que fez muita força para que se juntasse o pessoal a fim de treinar. Enquanto apitei no CFA, consegui ter sempre toda a gente reunida a treinar, mas depois comecei a assistir a um declínio total, o que não se coaduna com a minha maneira de ser. O pessoal que apitava comigo tinha de ir aos treinos, às reuniões e às formações. Neste momento, mais de 90 por cento dos árbitros não treina. E depois há quem venha com a teoria de que basta ir ao ginásio, o que não é verdade. A Federação recomendou que fizéssemos, em simultâneo, treinos físicos e técnicos, juntando as duas vertentes e até foi feito um Plano nesse sentido, que não está a ser posto em prática. Chego ao treino às 19h30 e quando aparece um ou dois é muito. Assim, não se pode dar treinos. É só perder tempo. Estava esperançado de que ia haver um retorno neste período em que se regista um aliviar das restrições pandémicas, mas tal não aconteceu.
Dantes, não havia estas oportunidades e lutávamos para as ter; agora que existe tudo não aproveitam nada! O CA e a AFH têm feito tudo por esta gente, mas o aproveitamente é medíocre.
Setembro de 2015: Momento da Formação dirigida aos Árbitros, realizada em Ponta Delgada
Este ano, a Associação de Futebol da Horta conseguiu captar mais cinco ou seis novos árbitros, o que foi excelente, mas nenhum aparece nos treinos. Os mais velhos, que deviam dar exemplo e apoio, também não vão treinar. E depois saem as nomeações para o fim-de-semana e exigem as coisas à sua maneira e quando não há aceitação vão-se embora como aconteceu com alguns, que se achavam os maiores, mas o tempo está a mostrar o que realmente valem.
Naturalmente que estes treinos dirigidos aos árbitros deveriam abranger o pessoal das quatro ilhas de jurisdição da Associação, mas atendendo à nossa dispersão geográfica tal não é possível de forma presencial. Para minimizar a distância, fazemos formação juntos, arbitramos juntos e rodamos pelas várias ilhas. Todos nos conhecemos e as actuais tecnologias ajudam a aproximar-nos.
Senti um gosto enorme em estar nos Nacionais, (…)
Temos poucos árbitros e não é fácil aliciar os mais novos. Sei bem o que digo, pois o meu filho [André] jogou Futebol e devido a um desentendimento abandonou o desporto. Felizmente, consegui levá-lo para a Arbitragem, mas já tinha quase 17 anos! Ele é árbitro da AFH e desde há três anos que é assistente do Vasco Almeida nos Nacionais. Está a estudar no Porto e a arbitrar. Sei que ganhou o gosto e aos 18 anos foi para o Campeonato de Futebol dos Açores.
Eu também fui Árbitro Assistente nos Nacionais - III Divisão, em 1998. Tenho de confessar que achei mais fácil do que a nível regional, pois embora saibamos que é outra exigência a verdade é que os jogadores também têm outra exigência, que passa por quererem jogar Futebol e quando assim é torna-se muito mais fácil. Os nossos jogadores – a nível local – gostam muito de arranjar sarilhos, situações no jogo, enquanto que no plano nacional estão ali para jogar a sério, com objectivos firmes.
Senti um gosto enorme em estar nos Nacionais, envergando o distintivo da Federação e ser representante da Associação de Futebol da Horta! Eu fui, enquanto Assistente, dos primeiros representantes da Horta. Trabalhei com o nosso árbitro faialense, o Hugo Silva, que estava lá nessa altura. Ele foi dos primeiros a ir para o Continente, mas lamentavelmente já regressou ao Faial e não está a dar continuidade à carreira, atendendo a que era para ter ido apitar para o CFA, mas não compareceu nas provas, fazendo com que a AFH tenha perdido uma vaga. Neste momento, a Associação de Futebol da Horta apenas conta um árbitro no Campeonato de Futebol dos Açores, quando poderia ter dois. De salientar que já tivemos quatro! Desta forma, a AFH não pode ter representatividade de árbitros na prova rainha do Futebol Açoriano. Tudo por falta de vontade de alguns que não fazem nem deixam fazer.
Há um compromisso por parte deste Conselho de Arbitragem – com o qual eu concordo – de cobrir todos os jogos, mas isso obriga a recorrer à totalidade dos árbitros que estão inscritos, onde se incluem os que cumprem e têm vontade e os outros. Se contássemos com um número mais alargado de juízes, era fácil “descartar” quem não está interessado em trabalhar ou acha que pode escolher os jogos que mais lhe interessam.
Gostava de ter (…) tido outras oportunidades
Troféu e Medalha de Melhor Árbitro, recebidos no fim da Época de 2017/2018
Se na altura em que comecei na Arbitragem, ou até mesmo só há 20 anos, tivesse contado com as condições que depois viemos a ter, tinha dado o salto! Teria sido muito bom para mim, pois gostava de ter feito uma carreira a nível nacional. Mas a própria Associação não contribuiu em nada para que isso tivesse sido uma realidade. A minha geração poderia ter evoluído tanto!... Sei que não foi por falta de dinheiro da Associação, mas, sim, de visão, organização, prioridades. No meu tempo, poderia haver menos facilidades do que agora, mas tínhamos mais gente e mais vontade de singrar. Trabalhávamos!
Gostava de ter feito melhor e de ter tido outras oportunidades, mas tenho plena consciência de que dei o meu contributo dentro do que podia e sabia. Cheguei ao Campeonato de Futebol dos Açores e aos Nacionais como Assistente. Estou satisfeito, mas lamento que nos Nacionais não tenha havido outros árbitros que nos tivessem feito aproveitar mais. Foi nesse tempo que fiz amigos – que se mantêm – que são árbitros nacionais e assistentes internacionais. Foram 11 jogos, mas gostava que tivessem sido muitos mais! Foi muito, muito bom e deu para aprender imenso com aqueles profissionais. Lá, vive-se outro Futebol e outras realidades. Nunca sofri ameaças, mas ouvia comentários nesse sentido da parte daqueles com quem lidava.
Juntávamo-nos em Sintra (o grupo que conhecíamos mais os que nos acompanhavam, assim como os Observadores que seguiam com o Hugo Silva e os árbitros que acompanhavam em Lisboa) no sábado à noite, antes do jogo, ou no domingo depois do encontro, consoante o calendário, e conversávamos sobre muitas situações, incluindo ameaças de morte, carros vandalizados, escoltas, etc”.
Arbitragem no coração, Futebol nos pés
Época de 2005/2006: Trio de Arbitagem da AFH, chefiado por Hélio Duarte, tendo como árbitros assistentes João Almeida e Luís Borges
Fotografia: Facebook de Luís Rosa
De todos os contributos dados, o nosso entrevistado não tem dúvidas em afirmar que a sua preferência vai para a Arbitragem. “Embora a Federação estipule como limite os 46 anos para o fim da carreira de árbitro, as Associações têm dado abertura no sentido de estes profissionais se manterem mais alguns anos em exercício, tendo sempre em linha de conta a condição física de cada um assim como a observação médica. No meu caso, não houve esse prolongamento, digamos assim, não só devido à minha lesão, que ultimamente me impedia de treinar, mas, também, por ter aceitado ser Observador”.
Além de Árbitro de Futebol, Hélio Duarte dedicou-se, igualmente, à Arbitragem no Futsal – colmatando uma necessidade da AFH – tendo esta actividade tido início na época desportiva de 2008/2009, acumulando, durante vários anos, a dupla Arbitragem.
“Inicialmente, as regras destas duas modalidades não eram iguais, mas depois equilibraram-se. Havia algumas diferenças em termos de dimensões do terreno, intensidade e outras. Embora no Futsal a parte física seja menos intensa, permitindo que a pessoa consiga reagir mais rapidamente e esteja mais descansada, é importante haver uma boa preparação. No Futebol, é diferente, ou seja, é preciso correr mais, havendo um maior despêndio de energia atendendo a que o campo é maior. Passamos de um recinto de jogo de 40 metros no Futsal para um de 100 metros no Futebol.
Continuo a dizer que o Futebol é bonito, porque eu gosto. Se a minha condição física me permitisse, ainda hoje estaria a jogar Futebol como veterano, claro!
Até ao início da pandemia, o meu serviço [Obras Públicas] organizava um torneio anual inter-ilhas, abrangendo as diferentes Secretarias do Governo, e eu participava sempre.
Fui o primeiro Árbitro da AFH a levar mulheres para arbitrar no CFA
Relativamente à presença de mulheres na Arbitragem, entendo que é positiva e que podem dar uma ajuda neste sector.
Fui o primeiro Árbitro da Associação de Futebol da Horta a levar mulheres para arbitrar no Campeonato de Futebol dos Açores. A primeira foi a Beatriz Riscado, a que se seguiram a Tatiana Melo e a Rita Pereira. Também levei a Letícia Melo, mas menos vezes pelo facto de ela não ter demonstrado grande vontade. A Adriana Fraga é outra árbitra com quem gostei muito de trabalhar como assistente.
O que eu mais gostei de ver foi a relação dos jogadores com a Beatriz, que foi muito melhor do que acontece com os homens árbitros. Notou-se respeito, principalmente em jogos fora do Faial, porque localmente o ambiente é hostil para elas. Já ouvi pessoas do público a insultá-las, pelo que tive de mandar identificar os autores. São situações que me deixam aborrecido, porque devia imperar o respeito. Num caso concreto, o insulto ocorreu num jogo no Fayal Sport e partiu das mulheres por causa do equipamento da árbitra, que neste caso era um calção mais curto. Quando isto acontece, insisto sempre para que elas se foquem no seu trabalho, desligando do que as rodeia, mas sei que isto exige treino e perfil.
Fiz um jogo na Graciosa, entre o Marítimo e o Rabo de Peixe, com a Letícia e a Tatiana e correu bem. Não houve atritos nem “bocas”. Notei que os jogadores queriam jogar à bola. Sempre incuti nelas a importância de estarem à vontade e fazerem o seu trabalho de forma normal, não pensando que são mulheres. Claro que há jogos em que estamos mais apreensivos (isso também me acontecia) e o facto de elas estarem em campo implicava eu ter outro cuidado, atendendo a que a responsabilidade era minha. Se acontecesse algo, era eu que tinha de me chegar à frente, mas nunca foi necessário.
Trabalhar com mulheres “obrigou-me” a reagir e inter-agir de maneira diferente. Conhecia-as fora do campo, mas não como árbitras. Posso dizer que esta experiência foi praticamente a estreia delas. Considero que têm formação e sabem, mas têm de trabalhar mais. Vejo potencial.
Aprecio imenso os jogos de Futebol que vejo no Canal 11, arbitrados por mulheres. Percebe-se que estão inseridas, que são respeitadas e que trabalham. Nunca vi insultos.
Se tivéssemos mais mulheres na Arbitragem da AFH, penso que em termos de cumprimento poderia ser melhor, mas há um senão no meio disto que é a relação entre elas próprias. Como são muito competitivas, há discussões bastante acesas. Se os trios forem mistos, está tudo bem.
Sempre gostei de lançar os mais novos
Tatiana Melo, André Duarte e Hélio Duarte: a passagem de testemunho na Arbitragem da AFH
Não estou a ser simpático por serem mulheres, pois trabalhei com elas e exigia muito delas. Aliás, não sou o bem-amado da Arbitragem precisamente por ser exigente. Sei que sou muito exigente, mas quando passava a mensagem a elas, aceitavam melhor do que muitos homens. Elas aceitavam melhor a minha ideia, o meu critério, ao passo que muitos deles reagiam menos bem.
Decidi que elas iam arbitrar jogos de Seniores. Aquilo que devíamos fazer em dois/três anos, eu tentava fazer em dois/três meses para que pudessem ganhar rodagem e termos opções. Tínhamos quatro árbitros no CFA, sendo necessários 12 assistentes.
Optei por rodear-me do pessoal mais novo. Fizemos um treino e a seguir tínhamos a nomeação, cujo resultado eu já sabia. O Presidente do Conselho de Arbitragem da AFH perguntou-me quem é que eu ia levar e atirei logo o nome da Beatriz. Claro que a primeira reacção dela foi negativa. Mas a minha estratégia era dar aquelas notícias “a quente”, evitando que houvesse tempo para pensar. Fui criticado por ter tomado a decisão de levar malta nova ao Campeonato de Futebol dos Açores, tendo havido quem dissesse que eu as tinha “atirado às feras”, mas o que eu pretendia era que elas evoluíssem. E fiz isso tanto com elas como com eles. Mas depois quando elas se apercebiam que tinham sido as escolhidas em detrimento de pessoal mais antigo, compreendiam que estavam a ser valorizadas. Eu é que levava sempre os novos. No CFA, nunca tive trios fixos. Levava aqueles que trabalhavam. Fazia questão que os meus colegas árbitros levassem sempre os mais experientes, enquanto eu ficava com os mais novos. Aquilo que eu sempre gostei foi de lançar os mais novos, pois o meu irmão fez o mesmo comigo, num jogo de Juniores no Pico, e foi assim que eu comecei a apitar. E correu bem!
Tenho uma recordação, talvez a melhor, quando há quatro anos fui arbitrar o Angrense/Rabo de Peixe, em que levei como assistentes o meu filho, com 18 anos, e a Tatiana, com 17, o que gerou contestações pelo facto de ela ainda nem ter atingido a maior idade. Mas eu estava tranquilo, além de que o Presidente do CA já tinha dado autorização, sublinhando que a responsabilidade era minha. Apitámos, fui observado e fizemos um excelente jogo, ao ponto de no fim a Tatiana ter vindo na minha direcção a chorar, confessando que estava muito satisfeita. Valeu a pena!”
Tatiana Melo, Hélio Duarte e André Duarte: o mestre rodeado pelos aprendizes
Fotografias cedidas por: Hélio Duarte
“(…) desde 2012 que o nível de organização (…) é muito superior com o Marco (…)”
Carlos Neves sucedeu a Viriato Ribeiro Pereira, já falecido, na presidência do Conselho de Arbitragem da AFH. A tomada de posse deu-se a 13 de Agosto de 2001, sendo Hélio Paulo Simas Duarte o Vice-Presidente e Luís Carlos Silveira Sousa o Secretário. Depois desta equipa ter saído do activo, em 2012 o Conselho de Arbitragem da AFH foi assumido, cumulativamente e de forma provisória, pelo Presidente da Direcção da Associação, Eduardo Pereira, tendo sido envidados esforços no sentido de ser eleito um novo elenco directivo, o que aconteceu na Assembleia-Geral de Dezembro de 2012. Assim sendo, Marco Silva foi votado para Presidente do novo Conselho de Arbitragem da AFH, tendo como Vice-Presidente Altino Machado e como Secretário Paulo Vargas.
“Também dei o meu contributo como Dirigente, neste caso era o Vice-Presidente do CA da AFH, mas conciliar este cargo com as funções de Árbitro era difícil e dava muito trabalho”, assinala o nosso entrevistado, que prossegue: “Antes de o Eduardo ser Presidente da Associação de Futebol da Horta [foi eleito, pela primeira vez, em Abril de 2010], a AFH não dava apoio aos árbitros. Nós é que tínhamos de comprar os livros para nos preparamos para o Curso, não nos era dado acesso a formações fora da ilha e até é que adquiríamos o nosso equipamento. Relativamente a este último aspecto, isso ainda hoje acontece na grande maioria dos casos.
Sem dúvida, que desde 2012 que o nível de organização do Conselho de Arbitragem é muito superior com o Marco como Presidente. O mesmo se verifica em termos da Formação que tem sido ministrada. Tive o privilégio de ir à Federação Portuguesa de Futebol a duas acções de formação Técnica e de Arbitragem. O Marco pugnou para que a Formação fosse uma realidade ao longo de todos estes anos e assim aconteceu até à pandemia. Ele tentou sempre que viessem às nossas quatro ilhas [Faial, Pico, Flores e Corvo] formadores de Futebol de 11 e de Futsal, o que foi extremamente bom e completamente diferente do passado. Este Presidente do CA tem levado muito a sério a Formação e a Arbitragem no seio da AFH, embora, por vezes, eu sentisse que éramos o parente pobre, ou seja, sempre os últimos na escala: primeiro, os jogadores; depois, os treinadores e por fim, os árbitros. Mas na última década, o apoio recebido foi o melhor de sempre!
O Eduardo e o Marco têm uma grande representatividade na Federação, o que é único nos Açores
Nuno Dart, Vice-Presidente do Conselho de Arbitragem da AFH; Luciano Gonçalves, Presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF); Eduardo Prereira, Presidente da Direcção da AFH; Marco Silva, Presidente do Conselho de Arbitragem da AFH; Luís Borges, Director do Conselho de Arbitragem da AFH; e Hélio Duarte, Árbitro e Observador Distrital do CFA, galardoado na Gala AFHorta - 90º Aniversário, decorrida em Outubro de 2020, no Teatro Faialense, Cidade da Horta
Fotografia de: Roberto Saraiva
Percebo que ser Presidente de uma Associação como a nossa, com implantação em quatro ilhas, é muito complicado. Tanto o Eduardo como o Marco estão a fazer um bom trabalho, inclusivamente no âmbito da Federação, e todos sabemos que não vai ser fácil substituí-los, tendo em conta que são cargos muito desgastantes e que implicam grandes conhecimentos.
O Marco gosta muito do que faz e integra o Conselho Nacional de Disciplina, sendo Vogal do Conselho de Arbitragem da FPF, ao passo que o Eduardo – um Presidente em funções há vários mandatos consecutivos – é Vice-Presidente das Selecções da Federação. Isto é muito bom para a Associação de Futebol da Horta. Aliás, nos Açores, eles são os únicos dirigentes desportivos com assento nestes órgãos da Federação. Não há qualquer outra Associação de Futebol da Região com esta representatividade a nível nacional no órgão máximo do Futebol em Portugal, e, infelizmente, isso é bem pouco valorizado entre nós. Mas a verdade é que isso nos ajuda muito! As formações que o Marco consegue organizar têm sido uma realidade graças à posição que ocupa na FPF e ao trabalho que o CA da AFH apresenta em termos de organização de iniciativas, como foi o caso do Fórum de Arbitragem, realizado no Faial antes da pandemia; convites para a vinda de dirigentes da Federação à Associação, etc. De realçar que o Marco pugnou para que um dos melhores árbitros internacionais de Futsal fosse ao Corvo e às Flores dar formação, o que para a Federação é sinal de que estamos a trabalhar.
No primeiro momento formativo em que participei na Federação, foi dito o seguinte da Associação mais pequena do País, perante representantes de todas as Associações de Futebol a nível nacional: “Bem-haja o Faial aqui representado! Bem-haja ver aqui três elementos da Associação de Futebol da Horta”. Era eu, o Paulo Goulart (do Pico) e o Marco Silva.
O Vasco [Almeida] representa o que eu gostava de ter sido há 25/30 anos, (…)
Antes do Marco ser eleito para a presidência do CA da AFH, eu trabalhava com dois/três trios de árbitros. É que escolhia sempre os meus assistentes. Depois de ele assumir a pasta, os trios de arbitragem passaram a ser fixos, sendo escolhidos pelo árbitro principal. Quando comecei a apitar, era assistente de meu irmão, que era mais velho e mais experiente. O que eu fiz foi evoluir rapidamente para não andar “à sombra” dele. E procedi de igual forma com o meu filho, evitando que ele também andasse “à minha sombra”. O que eu mais queria era que ele evoluísse e fosse melhor do que eu e felizmente assim aconteceu. A prova disso é que logo no segundo ano de actividade ele foi trabalhar com o Vasco Almeida, nos Nacionais, o que foi sinónimo de dar um salto na carreira.
Considero que o Vasco é uma mais-valia para a Associação de Futebol da Horta, embora, como sempre, há quem não veja a questão pelo mesmo prisma. Infelimente, alguns recusam-se a reconhecer isso, chegando ao ponto de criarem atritos. Por que razão não se apoia uma pessoa como o Vasco? Ele merece e aproveita as oportunidades, ao contrário de outros. A AFH depositou esperanças num jovem do Pico, que chumbou nas provas físicas, antes da pandemia, e que este ano deveria ter tentado novamente. Mas, entretanto, ele “arranjou” uma lesão, que se percebe ser a nível psicológico. O problema de algumas pessoas é o psicológico, inventando situações para não se prepararem. A isto chama-se falta de vontade e de brio.
Para mim, o Vasco constitui o máximo exemplo da Arbitragem na Horta, até pelo patamar em que se encontra. Dá para aprender com ele. O Vasco representa o que eu gostava de ter sido há 25/30 anos, sempre com o foco em trabalhar, melhorar, aperfeiçoar. Ele luta muito por aquilo que conquista. Basta dizer que a vida dele é a Arbitragem, além do emprego, claro. É um bom exemplo de persistência. Foi para uma Liga 3 e vamos perceber se se mantém. Sei que ele tentou levar pessoal, mas não houve vontade. Tudo por causa da inveja. O maior inimigo do árbitro é o próprio árbitro. As invejas e mesquinhices não levam a nada.
No fim do jogo, eu aconselhava sempre os árbitros assistentes a fazerem uma análise ao seu próprio desempenho. Temos de preencher um relatório sobre o jogo, em que lhes dizia para mencionarem tudo o que tinha acontecido, darem a sua opinião e fazerem uma análise, mas a preocupação dominante era saber os comentários sobre o encontro e qual a nota atribuída pela rádio local “Antena Nove”. Isso sempre me passou ao lado, pois era apenas uma mera opinião de alguém dada em função da sua preferência. Não servia para nada, a não ser para consolar os ouvidos. Só uma vez é que fui considerado o Melhor Árbitro, mas isso nunca me afectou. Não tinha qualquer importância.
A AFH evoluiu e isso é reconhecido
O facto de o Vasco Almeida ter passado a ser árbitro da AFH colocou-nos numa fasquia acima da tabela. A AFH evoluiu e isso é reconhecido. Mas para continuar esse bom trabalho, era preciso que tivéssemos mais alguém disposto a dar o salto qualitativo. Se os nossos árbitros trabalharem, a nível nacional têm apoio garantido. Temos um jovem com 18 anos, que é o Tiago Brasil, que também é assistente do Vasco nos Nacionais, tal como o meu filho. Estamos a falar de promessas, que têm de continuar a trabalhar. O Tiago tem probabilidades de vencer como assistente, mas como é novo terá de aguardar pelos 26 anos. Fisicamente, ele é bom, tem boa presença, faltando agora um pouco mais de esforço a nível de leis. Neste momento, é quem pode dar um ‘input’ à AFH. Fisicamente, ele consegue, porque já fez as provas cá e devo dizer que a prova física é bastante exigente.
A primeira prova que fiz foi no Estádio do Fayal Sport, em que éramos seis candidatos para três vagas. Eu vinha de uma lesão (entorse, grau III) contraída num treino de Arbitragem, que me obrigou a quatro meses de paragem. Fui para o ginásio todos os dias ao longo de dois meses para fazer a recuperação. Consegui fazer a prova, ou seja, completei as dez voltas obrigatórias (o máximo são 15). É preciso estar bem fisicamente e haver preparação.
O que perdura do tempo da Arbitragem são os amigos
Futebol: Hélio Duarte é o Árbitro Principal, sendo assistido por José Resendes e José Humberto Peixoto
Fotografia: Facebook de Luís Rosa
O que é que me fez correr estes anos? O gosto pela Arbitragem. E o que é que ficou? Os amigos que fiz. Mantenho essas amizades nos Açores e no Continente português. O convívio que tínhamos sempre que nos juntávamos era espectacular! Foi esse espírito, essa camaradagem, que ajudou a suportar os momentos menos bons nesta trajectória de décadas. Prevaleceu sempre o gosto pelo Desporto, por praticar Desporto e por estar envolvido neste meio. Aproveitei para trabalhar o físico, pois esta foi uma componente que sempre me preocupou. Nunca gostei de estar parado. Quando fui para o Sporting, pesava 70 quilos e depois de partir a perna aumentei para 110! Estive sete meses sem qualquer actividade, o que me afectou psicologicamente. Eu estava habituado a praticar Futebol, Andebol, Futsal e a trabalhar na lavoura com os meus pais. Tinha uma actividade constante desde as seis da manhã até às 11 horas/meia-noite, hora a que me deitava. Os treinos de Futebol no Sporting eram das sete às nove da noite e depois ainda ia para o Pavilhão, às nove e meia, treinar Andebol. Era um ritmo frenético, mas ainda hoje sinto falta disso. Se a minha questão de saúde registar melhorias (neste momento, a lesão já atingiu a anca) espero voltar a ter actividade física, pois seria algo muito benéfico para mim até do ponto de vista psicológico”.
Observador Distrital da AFH no Campeonato de Futebol dos Açores
Tendo em conta a experiência acumulada como Jogador, Árbitro e Treinador, Hélio Duarte foi convidado pelo Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol da Horta para ser Observador Distrital no Campeonato de Futebol dos Açores, o que vem acontecendo desde há três épocas. “Aqui, a minha missão não passa por ver o jogo, mas, sim, por observar o árbitro e os assistentes a nível técnico, disciplinar, em termos de movimentações, colocações, critérios dentro de jogo, situações de jogo, com o objectivo de elaborar um relatório técnico, que leva horas a estar finalizado. Tenho de preencher seis itens, justificando a minha análise. O que se pretende, em última instância, é que os visados trabalhem os aspectos que eu apontei. Há quem aceite as minhas sugestões no sentido de melhorar e evoluir, mas também há aqueles que as vêem como críticas ou um apontar o dedo, não acatando as propostas feitas. Posso assegurar que o meu trabalho como Observador é sempre no sentido de haver um aperfeiçoamento e nunca com o intuito de atacar quem quer que seja.
Habitualmente, o CFA conta com quatro Observações ao longo de dez Jornadas. Este ano, devido à pandemia, foram apenas três. Os árbitros e os assistentes são avaliados no fim da época e de acordo com a pontuação registada três sobem de categoria e três descem. Como se pode perceber, esta avaliação é determinante para a carreira de cada um.
Todo o percurso até fazer o relatório dá gosto, desde apreciar o jogo, falar, reunir com eles, tudo isso é espectacular. Mas quando põem em causa as minhas observações é um pouco frustrante, pois fui Árbitro até há bem pouco tempo e estou por dentro do que enfrentam, pelo que tento ir de encontro às situações que vivem. Sei o que passam em campo e fora deste. Uma boa nota é 8-4, mas se tiver sido cometido um erro grave desce para 7-8. Podemos dizer que são apenas menos cinco décimas, mas já é considerada uma nota negativa. Tentar justificar a minha opinião enquanto Observador nem sempre é fácil, pois são muito poucos os que aceitam uma nota negativa.
Na qualidade de Árbitro do CFA, também fui observado – eram quatro observações por época – e durante o meu percurso recebi duas notas negativas. Faz parte do processo evolutivo.
Levo isto muito a sério e gostava que os outros também o fizessem, mas como isso não acontece sinto-me decepcionado
Ter sido Árbitro e agora Observador é positivo para mim, pois consigo perceber bem os dois lados. Sei que nem todos compreendem o meu papel actual, sobressaindo nalguns a ideia de que eu era Árbitro e agora estou aqui para apontar erros ou falhas. Justifico sempre aquilo que assinalo e tal como já referi, o que se pretende é que todos cresçam. Só podemos evoluir se conseguirmos perceber aquilo que temos de melhorar. Gostava que todos tivessem esta percepção e que não me vissem como um inimigo.
Além de ser Observador Distrital da Associação de Futebol da Horta no Campeonato de Futebol dos Açores, a AFH também me pediu para fazer observações nalguns jogos locais, usando critérios menos exigentes, mas igualmente com o propósito de potenciar os árbitros da Associação para o CFA. A Associação pede-me para ir fazer uma observação a um jogo local, mas depois alguns ficam melindrados com a análise que reporto. Eu chamo a atenção para que possam melhorar e saberem o que vão encontrar quando chegarem ao Campeonato de Futebol dos Açores. Porém, alguns acham que já sabem tudo e depois ficam pelo caminho! Aproveita quem quer.
Enquanto Árbitro da AFH, era observado em todos os jogos e depois à noite ainda havia os ‘media’, com as suas reportagens, mas eu nem via para não saber a opinião emitida. Mesmo que o jogo tivesse sido positivo. Claro que havia sempre alguém que vinha contar-me tudo. Eu não gostava de ver, porque queria melhorar e achava sempre que podia ter feito melhor. Sou perfeccionista, ou melhor, tento ser, sempre trabalhei para isso. Fui habituado a trabalhar para alcançar os meus objectivos. Levo isto muito a sério e gostava que os outros também o fizessem, mas como isso não acontece sinto-me decepcionado”.
“Para mim, foi tocante e emocionante ser distinguido (…)”
Fotografia: Google
Na XVI Gala do Desporto Açoriano, realizada em 2017, Hélio Paulo Simas Duarte foi distinguido na categoria de Personalidades, por ter atingido 20 anos de carreira como Árbitro de Futebol. Refira-se que esta categoria integra os diversos agentes desportivos não praticantes, como Técnicos, Dirigentes, Árbitros/Juízes, Médicos, Massagistas e outros. E, a propósito, o distinguido esclarece: “Na realidade, são mais de 20 anos, pois a verdade é que muitos não foram contabilizados. Quando concluí o Curso de Árbitro de Futebol, em 1991, o então Presidente da Direcção da AFH, Faria de Castro, não nos registava na Federação Portuguesa de Futebol para a Associação não ter despesas com a nossa inscrição. O mesmo é dizer que não existíamos perante a Federação. Deu-se o caso de vários árbitros da Associação de Futebol da Horta terem tido a oportunidade de ir aos Nacionais, mas como não tinham sido registados não dispunham de categoria para tal. Se contarmos o tempo todo que arbitrei, totaliza mais de 30 anos de carreira. Como federado, atinge os 25 anos, pois isso aconteceu aos 23, na temporada de 1994/1995, e nunca interrompi a minha actividade, que cessou em 2018/2019”.
No fim da Época de 2017/2018, Hélio Duarte recebeu a Medalha e o Troféu de Melhor Árbitro, distinção que resulta da pontuação que foi sendo dada pelos capitães e treinadores das equipas seniores ao longo do Campeonato da AFH.
Na Gala AFHorta - 90º Aniversário, que teve como palco o Teatro Faialense, no dia 24 de Outubro de 2020, Hélio Duarte foi homenageado com o Troféu Carreira, por ser o Árbitro da AFH detentor da carreira com maior longevidade. O galardão foi entregue pelo Presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF), Luciano Gonçalves.
Luciano Gonçalves, Presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol, entregou a Hélio Duarte o Troféu Carreira, em 2020
Fotografias de: Roberto Saraiva
“Os prémios são sinal de que o meu trabalho é reconhecido, o que é importante. No entanto, não corro a pensar nisso. Mesmo que não tivesse havido estas distinções de forma pública, teria trabalhado sempre com a ambição de melhorar e não por estar à espera de ser galardoado.
Quem é chamado ao palco para receber o troféu atribuído e tem orgulho naquilo que faz, não esquece estes momentos. Para mim, foi tocante e emocionante ser distinguido e sempre que entenderem que sou merecedor, aceitarei com muita honra. Sabe bem, ao fim de tantos anos de dedicação, coroados por críticas e chatices, perceber que há quem se lembre de que passámos uma parte da nossa vida a contribuir para a causa Desportiva. E considero que a relevância se aplica a todos os Agentes Desportivos que são abrangidos.
Aqueles que não são homenageados num determinado ano e acham que mereciam sentem-se injustiçados, mas eu já fiz ver a essas pessoas que isto está pensado para ser executado de forma gradual, e realmente todos os anos têm sido contempladas figuras diferentes dentro das várias categorias. As homenagens não podem acontecer todas de uma só vez.
As Galas organizadas pela AFH são um evento marcante, que deve ter continuidade e o facto de estarem a ser realizadas de forma rotativa, pelas quatro ilhas [este ano, será no Corvo] revela bem a forma descentralizada de pensar e agir da Direcção. O Eduardo está atento”.