A presidência do Vitória Futebol Clube (VFC) ao longo de mais de três anos, é um marco na vida de José Manuel Leal Caldeira, que se orgulha de, durante esse período, este Clube de São Roque do Pico ter ganhado uma Taça Pico, uma Taça Açores (2003/2004), o primeiro Campeonato da Associação de Futebol da Horta (AFH), além de os Iniciados se terem sagrado Campeões Faial/Pico, pela primeira vez, em 2004/2005. Histórico é, também, o facto de este ser o único Presidente do VFC que não conta com nenhuma descida de Divisão.

Volvidos vários anos, José Manuel Caldeira aceitou o repto lançado pelo Presidente Eduardo Pereira para ser Vice-Presidente da Assembleia-Geral da AFH, cargo que vem desempenhando desde 2014 (três mandatos sucessivos, sendo que o actual termina em 2025).

A ligação que mantinha a este organismo desportivo como Presidente do Vitória, a amizade antiga e a consideração pessoal que tem por Eduardo Pereira, a que se junta o facto de sempre ter acreditado no projecto que ele traçou para esta Associação, são razões que explicam o seu apoio incondicional, coroado pela possibilidade de poder defender os interesses do Pico na AFH.

Desportista, docente, comentador e comunicador, são facetas deste Dirigente, que, neste ano de 2023, assinala 20 anos de Rádio, marcados por muitos momentos desportivos.

Cristina Silveira

José Manuel Leal Caldeira, que se assume como um homem da Cultura e do Desporto (se bem que Desporto é Cultura!) é, acima de tudo, um comunicador, com dotes de oratória, certamente alicerçados na sua passagem pelo Seminário.

Sendo docente, sempre piscou o olho à Comunicação Social, onde tem provas dadas.

Licenciado em Português, Latim e Grego (via Ensino - Aveiro), fez uma Pós-Graduação em Estudos Portugueses e Brasileiros (Porto), com uma breve incursão pelo Jornalismo.

Desde tenra idade que o Desporto fez parte da vida deste picoense do lugar de Santana (Santo António). Com nove/dez anos, jogava Futebol na rua, integrando grupos e disputando torneios. Na Escola, também deu atenção ao “astro-rei”, assim como no Seminário (era “um grande mobilizador”) onde se destaca a presença no Municipal de Angra, o seu único campo de Futebol a sério.

Dedicou-se ao Ténis de Mesa desde os 15/16 anos, passando a federado já depois dos 40 anos, altura em que representou o Clube de Santo António.

José Manuel Caldeira notabilizou-se nos jogos de Cartas, com “grande apetência” e “forte domínio” na Sueca, mas, também, no Pidro e nas Copas. Basta dizer que com nove/dez anos já substituía jogadores em casas de jogos (que abundavam em Santana), parecendo “um menino entre os doutores”, tal era a sua destreza. Aos 15/16 anos, era convidado pelos melhores (veteranos), não deixando os seus créditos por mãos alheias.

Nas Damas, foi sempre um adversário “muito difícil” de bater, tendo, ainda, jogado Xadrez e Dominó.

Nos anos 80, ajudou a formar uma equipa (a primeira e única!) de Futebol de 11, que pertenceu à Casa do Povo de Santo António, jogando no Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres (INATEL).

Na mesma altura, por proposta sua foi criada, em Santo António, a associação cultural e desportiva “O Picoense”, cujo objectivo passava por juntar pessoas de Santo António e de Santa Luzia.  

O “bichinho” informativo começou no “Correio Desportivo” (Suplemento do Jornal “Correio da Horta”), a meados da década de 80 do século passado, tendo acompanhado, entre outros temas, a Taça Açores (Vitória) e o Lajense na Taça de Portugal (foi a primeira equipa do Pico a chegar à 3ª eliminatória, depois de ter deixado pelo caminho o Fronteirense e o Ferrel, equipas da 3ª Divisão – facto que fez com que o treinador, João Manuel, tenha ido a São Miguel, de propósito, para ser entrevistado no programa desportivo de Sidónio Bettencourt – perdeu frente ao Samora de Correia, da 2ª Divisão).

Logo a seguir, foi Correspondente do Pico, no Desporto, para a Antena 1 (RDP), com entrevistas a vários presidentes e directores de Clubes do Pico; e, ao regressar à sua ilha, vindo do Continente português (2003), arranca com Informação e Desporto nas Rádios “Montanha” (em cadeia com a “Antena Nove”, do Faial) e “Cais”. Recentemente, foi Colaborador da “Antena Nove”, nos comentários semanais dos jogos.

A Rádio sempre foi uma paixão! Aqui, José Manuel Caldeira tem como colega de painel (na Rádio Pico) o padre Marco Martinho

Desde Março de 2020 que põe no ar o programa radiofónico “Jornal da Ilha”, um projecto pioneiro que junta as três rádios do Pico.

Foi Responsável pelos Jornais Escolares de São Roque, Lajes (Pico) e Vilar de Andorinha (Vila Nova de Gaia); recomeçou a Rádio-Escola “A Minha Escola”, das Lajes do Pico, tendo, ainda, dirigido os Suplementos Culturais nos Jornais “Telégrafo” (o último que este Jornal teve), “Tribuna Press” e “João Semana” (ambos em Ovar).

A 10 de Junho de 2015 foi inaugurada, no Cais do Pico (Vila de São Roque), a Livraria “D. Dinis”, situada junto à estátua do rei que inspirou a escolha do nome deste espaço, uma referência literária e turística.

Da esquerda para a direita: Presidente da Câmara Municipal das Lajes do Pico, Roberto Silva; Director do Museu dos Baleeiros, Manuel Costa; Director do Jornal “Ilha Maior”, Manuel Tomás; Presidente da Câmara Municipal de São Roque do Pico, Mark Silveira; proprietário da Livraria, José Manuel Caldeira, no uso da palavra; e o Ouvidor da Madalena, padre Marco Martinho

Fonte: ‘Facebook’ de José Manuel Caldeira

Sendo um homem das Letras, não é de estranhar que, pelo meio, tenha inaugurado a sua livraria – chamada “D. Dinis” – e que, neste contexto, figure como organizador de vários eventos, de que são exemplos (diversos) Saraus Músico-Literários nos anos 90, um dos quais com o escritor João de Melo, na Escola Secundária de São Roque do Pico; e outros que contaram com nomes sonantes do mundo literário, como Urbano Bettencourt, Onésimo Teotónio de Almeida ou Eugénio Lisboa; o lançamento do livro do famoso Eusébio, também no Auditório da Escola Secundária de São Roque do Pico, em 2005;  a Sessão que José Andrade (autor e actual Director Regional das Comunidades) realizou no Pico; a destacada Homenagem a Manuel Tomás (onde pontificaram, entre outros, o homenageado, Emiliano Toste, Aníbal Raposo e Zeca Medeiros); e as Comemorações do 25 de Abril, em 2015, que tiveram como ponto alto a Sessão Solene, decorrida na Sede da Filarmónica “União Artista” de São Roque, onde estiveram presentes, entre outros, Manuel Freire, Barata Moura, Álvaro Monjardino e Vasco Cordeiro. Aproveitando a ocasião, José Manuel Caldeira entrevistou (na Rádio “Montanha”, em cadeia com a “Antena Nove”), o general Ramalho Eanes, e a esposa, Manuela Eanes.

O escritor João de Melo e o professor José Manuel Caldeira, aquando do primeiro Sarau Músico-Literário realizado na Escola Secundária de São Roque do Pico, no decorrer do qual foi lançado o livro de João de Melo “O Homem Suspenso”, tendo sido orador Urbano Bettencourt

Em Abril de 2005, o Vitória Futebol Clube organizou um Torneio de Veteranos. Nessa data – vésperas do aniversário do Vitória (01 de Maio) – foi lançado o livro sobre o “Pantera Negra” intitulado “Eusébio, a Minha História”, da autoria de João Malheiro, ambos nestes registos fotográficos, onde consta, igualmente, o Presidente do VFC, José Manuel Caldeira

Fotografias cedidas por: José Manuel Caldeira

No leque de entrevistas marcantes realizadas ao longo do tempo, além das duas figuras acima referidas, ressaltam as que foram feitas ao engenheiro Roberto Carneiro e ao padre Rego (que se encontrava no Vaticano); a Carlos Lopes, Rosa Mota, António Maciel (em estúdio) e Fernando Ourique (por telefone), a propósito dos 25 anos da Corrida dos Reis, de São Mateus do Pico; a Pedro Pauleta; e a Mário Soares (via telefone), na Rádio “Montanha” em cadeia com a “Antena Nove”.

José Manuel Caldeira, empresário ligado ao Turismo, tem organizado outras iniciativas, designadamente o Festival de Bandas, em 1999, por altura do centenário da igreja de Santana; e, desde 2017, o Festival de Bandas, enquadrado nas festas de São Roque; constando, ainda, no seu percurso a apresentação de livros (refira-se, neste âmbito, que a pedido da Editora “Publicações Dom Quixote”, colaborou no lançamento de um livro na FNAC, no Continente português), bem como intervenções de carácter histórico, religioso e cultural.

- Departamento de Comunicação e Marketing da Associação de Futebol da Horta (DCM-AFH): O facto de ter sido Presidente da Direcção do Vitória Futebol Clube (VFC) foi decisivo para aceitar o convite feito por Eduardo Pereira?

- José Manuel Caldeira (JMC): Sim. A minha ligação à AFH começa em 2003, na qualidade de Presidente do Vitória, e, quando o convite surge, em 2014, para ser Vice-Presidente da Assembleia-Geral da Associação também pesou, e muito, o facto de ser amigo de Eduardo Pereira. Fui convidado dentro daquela filosofia deste Presidente de descentralizar, pelas diferentes ilhas, os elementos que compõem os Corpos Sociais da AFH. E, como tal, no que à Assembleia-Geral diz respeito, seria o Presidente no Faial, o Vice-Presidente no Pico e o Secretário nas Flores.

Aspecto da Assembleia-Geral da AFH de 18 de Dezembro de 2018, em que temos (da direita para a esquerda), o Vice-Presidente, José Manuel Caldeira (Pico); o Presidente, Jorge Costa Pereira (Faial); e o Secretário, Hernâni Furtado (Flores)

Fotografia: Arquivo da AFH

- DCM-AFH: Na sua opinião, esta descentralização é uma forma de todas as ilhas se sentirem representadas?

- JMC: Em tese, a descentralização é positiva, já que permite que todos os agentes se sintam convocados para o processo. Há sempre alguma proximidade não só pelo órgão estar representado, mas, porque, a pessoa que está no órgão também está ou esteve ligada a um Clube ou outra instituição, conhece a realidade a que pertence, e, nesse sentido, pode prestar alguma informação, como já foi o meu caso, em que algumas vezes dei o meu contributo fora do âmbito da Assembleia-Geral da AFH.

- DCM-AFH: Sente-se um Vice-Presidente de todas as ilhas ou pensa e “puxa” sempre mais para o Pico?

- JMC: A ideia de descentralizar é para que cada um tenha alguma aproximação à sua ilha e às ilhas todas juntas. Mas, quando existe um cargo, seja ele de Presidente ou de Vice-Presidente, deve olhar-se para todos por igual. No momento do exercício, todos estão ali a ser vistos em pé de igualdade. No momento de alguma questão mais particular, em que se pode dar um contributo mais de proximidade, com certeza que isso cai para esse lado (do Pico), o que é inevitável, mas sem prejuízo daquilo que é a essência do cargo.

“Era natural que houvesse vontade por parte dos Clubes do Pico (…) de marcar posição em relação à Horta!”

- DCM-AFH: Tendo em conta que a AFH faz tudo ao seu alcance para tratar as suas quatro ilhas de abrangência (Faial, Pico, Flores e Corvo) todas de igual forma, por que razão ainda se sente um certo bairrismo por parte do Pico?

- JMC: É natural que ao longo do tempo e porque a AFH foi sempre centralizada no Faial, que isso fosse uma realidade. Recordo-me que, no caso do Pico houve mesmo Delegações da Associação – e nas Flores terá sido a mesma coisa – ou seja, tentativas de ter um órgão próprio, uma espécie de extensão da AFH. É natural que haja essa desconfiança, porque para uma reunião da AFH funcionar as pessoas têm de estar próximas. É natural que os elementos do Conselho de Disciplina, do Conselho de Arbitragem, os presidentes destes órgãos e a própria Direcção sejam residentes no Faial e isso cria uma certa reserva e desconfiança, porque os das outras ilhas acham que, na dúvida, cai sempre para a ilha onde está sedeada a Associação. Concretamente no que concerne à Arbitragem, desconfia-se sempre se é um árbitro do Faial e, se, por via disto, a decisão final da Associação poderá ser no sentido de proteger os Clubes que estão no Faial. Creio que já foi muito mais assim!

Este Presidente – Eduardo Pereira – fez aquilo que o Dr. Faria de Castro talvez tentasse fazer, mas não foi capaz de concretizar. Houve um esforço nesse sentido, mas a verdade é que ele nunca cultivou muito a imagem descentralizadora. Puxou sempre a si os galões e centralizou, o que era um estilo, cuidou de um estilo próprio de gestão da Associação.

Foi no tempo dele que houve a tentativa de criação de uma associação no Pico. Houve essa necessidade. Estamos a falar de um tempo que coincidiu com a inscrição dos Clubes dos Pico na Associação de Futebol da Horta, que começa com o Madalena, em 1974, e grande parte na década de 80. Foi aí que se deu o ‘boom’ das entradas, após a Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT) e o Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres (INATEL).

Era natural que houvesse vontade por parte dos Clubes do Pico – que eram muitos! – de marcar posição em relação à Horta. É preciso ver que por detrás de tudo isto, existem razões históricas que ainda acirravam mais esta vontade. Mesmo sendo duas ilhas-irmãs, mas que às vezes se zangam, pois, a família é assim mesmo, e mesmo porque o Pico, nalguns aspectos teve e continua a ter uma grande dependência em relação ao Faial, apesar de esta ser uma ilha mais pequena do que o Pico, territorialmente falando, mas, claro, que há um conjunto de serviços centralizados na Horta e até há uma herança, que vem do Povoamento. Quem eram os proprietários das terras no Pico? Tudo isto são marcas que foram ficando, mas, que, com o tempo se vão diluindo.

- DCM-AFH: Acha que se vão diluindo? Os mais novos não estão a cultivar isso?

- JMC: Garantidamente, os mais novos não estão a cultivar isso, até porque, ainda estão na fase do “nim”. Não sei se, mais tarde, poderão vir a ser reivindicativos, mas a verdade é que a cultura é outra. Hoje, olha-se de maneira diferente, já não é só Faial/Pico, já é Faial/Pico/São Jorge e não me surpreenderia que São Jorge pudesse aparecer em qualquer altura no processo associativo do Futebol. Não faz sentido que uma ilha por estar ligada a um ex-distrito deva permanecer lá todo o tempo.

A geografia é clara: o Triângulo é cada vez mais uma realidade, já existe uma Associação de Municípios do Triângulo e também já há ligações a nível político, no Turismo, nos Transportes, e vai-se crescendo cada vez mais nisto. Se assim é, por que razão é que o Futebol ou o Desporto no seu todo, não está ligado à AFH, com ganhos para todas as partes? Creio que é apenas uma questão de tempo. Claro que Angra vai resistir e São Jorge ainda não está bem decidido. Como dizia Senica “Não há bons ventos para quem não sabe o seu norte”. Mas quando houver firmeza nesta decisão por parte de São Jorge, este cenário pode bem vir a ser uma realidade. Mas lá está: primeiro, esta ilha tem de saber o que quer.

José Manuel Caldeira além de ter sido o autor do Prefácio, também foi o Apresentador do livro “CARAS AFH”, Volume I, nas quatro ilhas de jurisdição da Associação de Futebol da Horta, o que aconteceu pela primeira vez na história deste organismo desportivo (que nesse ano completou 91 anos de actividade).

O momento fotográfico é relativo à Sessão realizada na ilha do Pico (mais concretamente no Museu dos Baleeiros) a 29 de Maio de 2021. No Corvo, a apresentação desta obra decorreu no dia 21 desse mesmo mês; nas Flores, a 22; e no Faial, a 28

Fotografia de: Paulo Brinca

“(…) ele percebeu, [Eduardo Pereira] claramente, que cada vez mais é preciso acarinhar os Clubes e os Directores, (…)”

- DCM-AFH: Nota que tem havido uma maior abertura e proximidade da AFH aos seus Clubes, sobretudo nos últimos tempos?

- JMC: Esta abertura e esta nova pedagogia exercida pelo Eduardo Pereira, sobretudo nos últimos anos, tem a ver com os novos tempos, com a nova cultura e com o perfil certo. É evidente que se a pessoa não tem o perfil nem a sensibilidade para “a coisa”, não chega lá. Mas, a verdade é que ele percebeu, claramente, que cada vez mais é preciso acarinhar os Clubes e os Directores, que se lamentam de não ter qualquer compensação.

- DCM-AFH: Está a falar do Estatuto do Dirigente.

- JMC: Que tem de ser revisto rapidamente!

“É preciso muito cuidado com a forma como isto [Estatuto do Dirigente] vai funcionar”

- DCM-AFH: Mas, também há quem defenda que se isso não for bem estudado poderá vir a criar ainda mais desigualdades, na medida em que não foi decidido se será para todos os elementos dos Corpos Gerentes, ou, apenas, para aqueles que trabalham mais, como é o caso da Direcção.

- JMC: Defendo que cada Clube ou instituição deverá ter um número ‘clausus’. Algumas pessoas não fazem nada nos Corpos Sociais e querem gozar do mesmo estatuto que os outros. Como tal, este é um assunto que tem de ser bem estudado e experienciado, porque esta é uma situação totalmente nova. Mas não há qualquer dúvida de que é preciso fazer alguma coisa para acarinhar os Dirigentes. E, claro, que a partir do momento em que o Estatuto do Dirigente passar a vigorar no Desporto será assim em todas as instituições, já que todos se vão sentir com os mesmos direitos.

É preciso muito cuidado com a forma como isto vai funcionar. Sabemos que o Voluntariado é extremamente importante e que há pessoas que se dedicam à causa pública e ao serviço de doação ao outro com todo o empenho, mas qualquer dia não temos quem assuma as instituições e temos muitas…

- DCM-AFH: Corre-se o risco de algumas fecharem as portas?

- JMC: Corre-se! Já tivemos situações de filarmónicas, por exemplo, em que foi necessário realizar quatro/cinco assembleias e havia mesmo o risco de fechar a porta por não haver quem assumisse a Direcção!

“A compensação é uma forma de respeito, (…)”

- DCM-AFH: Acha que isso também pode vir a acontecer com os Clubes de Futebol?

- JMC: Não é de excluir essa possibilidade caso o Dirigente não se sinta compensado de alguma maneira, e também respeitado! A compensação é uma forma de respeito, porque ir para as instituições só para ficar exposto à má-língua, à crítica e a um trabalho árduo, com grande prejuízo familiar, e na rectaguarda ninguém olha para isso, chega-se a uma altura em que se corre o risco de as pessoas se tornarem mais fechadas no seu círculo familiar e cada vez menos prestarem colaboração nas instituições à sua volta.

“Possivelmente, daqui a algum tempo, o poder político vai perceber que terá de contribuir com um estímulo a esses futuros directores”

Fotografia cedida por: José Manuel Caldeira

- DCM-AFH: Quem de direito está atento a isso ou o pensamento dominante é de que a sociedade civil vai continuar a dar e a dar, sem qualquer contrapartida? A mudança compete a quem?

- JMC: Compete aos dois lados: ao poder decisório, mas, igualmente, às associações quando sentirem o problema e só há reivindicações quando o problema começar a existir.

“O exemplo mais representativo de Voluntariado, que temos em todas as nossas ilhas, são as festas do Espírito Santo”

- DCM-AFH: Mas enquanto houver “carolas” que “segurem o barco”, isto vai continuar.

- JMC: Ainda não estamos numa fase de ruptura total, porque os nossos Clube existem, as nossas filarmónicas ainda estão aí, ainda se vê muita coisa a acontecer. Vimos uma Semana do Mar com o Clube Naval da Horta a pôr de pé o maior Festival Náutico do País e tudo com trabalho amador, o que, aliás, é um excelente exemplo de Voluntariado. O mesmo se verificou na Maré Cheia, nas Ribeiras do Pico, em que toda a freguesia se mobilizou para dar corpo a um programa vastíssimo, tudo com “prata da casa” e com base em Voluntariado. O exemplo mais representativo de Voluntariado, que temos em todas as nossas ilhas, são as festas do Espírito Santo. Já alguma vez faltou alguém para matar a vaca ou até mesmo quem oferecesse a vaca para as sopas? Sejam 300 ou 400 pessoas não falta carne, pão ou vinho! Nem faltam trabalhadores, Voluntários, claro!

- DCM-AFH: As novas gerações vão dar continuidade a este movimento?

- JMC: Há uma nova geração que ainda não sabemos como vai comportar-se. Podemos especular e dizer que tudo isto vai acabar ou simplesmente mudar. Vêm aí outros hábitos, que já são uma realidade nos jovens abaixo dos 30 anos. Por isso, é preciso estarmos atentos. Possivelmente, daqui a algum tempo, o poder político vai perceber que terá de contribuir com um estímulo a esses futuros directores. Não é um assunto fácil. Carece de muito estudo e ponderação, porque não se pode abrir a caixa de pandora.

“Um Clube certificado, que provou em vários parâmetros que tem condições para fazer um determinado trabalho na Formação, dá outro tipo de garantia aos pais (…)”

- DCM-AFH: Talvez os Clubes de Futebol tenham mais facilidade em encontrar Dirigentes, pelo facto de os mais novos se identificarem com a modalidade, mas, também sabemos que já não é qualquer um que pode ser presidente de um Clube e aqui entra a Certificação e outras questões que exigem respostas criteriosas em diversos parâmetros. Todas estas exigências, impostas aos amadores, têm contribuído para afastar as pessoas do Dirigismo?

- JMC: É uma boa questão! Estas novas exigências, os Clube certificados e tudo devidamente regulamentado veio dar uma qualidade organizativa, que é muito importante. Já não estamos a falar de puro amadorismo, apesar de sermos todos amadores. A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) decidiu, e muito bem, esta evolução desportiva no sentido de as coisas terem um caminho mais solidificado. Tudo já está informatizado e todos falamos a mesma linguagem. Tudo é executado de uma forma mais organizada e metódica, mas obriga a Dirigentes mais bem preparados. Contudo, a nova geração e até mesmo a geração intermédia, já tem habilitações, competências, que não tinha há 30/40 anos. 

- DCM-AFH: Mas não estamos a exigir muito, ou seja, a pôr no mesmo patamar um Cedrense e um Vitória com o Benfica e o Porto? É justo?

- JMC: Claro que os Dirigentes podem queixar-se disso, ainda mais por estarmos a falar de amadores, mas, a verdade é que isso os protege e protege a instituição. Todas essas exigências estabelecidas pela Federação criam balizas e um processo evolutivo, visando o crescimento dos Clubes. Um Clube certificado, que provou em vários parâmetros que tem condições para fazer um determinado trabalho na Formação, dá outro tipo de garantia aos pais que inscrevem o seu filho ali. Digamos que estas regras vieram criar um lado inspectivo, mas, também, de segurança e evolução, dando garantias de que o Clube está certificado em diferentes valências.

“Este acompanhamento, cada vez mais notório, constitui uma motivação para o pai e para o atleta e é uma forma de apoiar o Clube”

- DCM-AFH: Os pais estão sensibilizados para isto ou ainda há um caminho a percorrer?

- JMC: Os pais estão a aproximar-se e é por aqui que os Clubes conseguem fazer um melhor trabalho. É no âmbito dos primeiros escalões de Formação que os Clubes devem envolver os pais neste processo. E há muitos pais/mães que, por causa do filho estar no Clube X, estão presentes e dão o seu apoio. Eu gosto de ver é “o amor à camisola puro e duro” e não pelo facto de o filho jogar lá, mas, mesmo assim, é positivo. Este acompanhamento, cada vez mais notório, constitui uma motivação para o pai e para o atleta e é uma forma de apoiar o Clube. Muitos pais já estão atentos e na prática são uma excelente ajuda para os directores.

- DCM-AFH: Estamos a trabalhar no sentido de haver mais ferramentas e equipamentos para melhorar e crescer, mas depois há falta de atletas. Como é que se contraria este cenário?

- JMC: Antigamente, quase todos praticavam Futebol, mas hoje em dia não é assim e pode tornar-se um problema maior nos próximos anos, porque há muita dispersão de actividades e de modalidades e a grande maioria dos atletas vai estudar e não volta.

No caso do Pico, houve uma altura em que o Futsal competiu claramente com o Futebol e “roubou” muitos atletas ao Futebol. Actualmente, há outras modalidades e outras atracções que levam o jovem a abdicar totalmente do Desporto.

- DCM-AFH: O Desporto dá trabalho…

- JMC: Dá trabalho e obriga a uma disciplina, obriga a sair de casa e a deixar o conforto do sofá. No caso do Futebol, treina-se debaixo de chuva e com frio.

José Manuel Caldeira: “É preciso sensibilizar o público feminino para a prática do Futebol, porque é uma modalidade bonita e que encaixa perfeitamente no temperamento e na personalidade da mulher. Acabemos com essa ideia de que o Futebol é só para homens”

Fotografia de: Paulo Brinca

- DCM-AFH: O Futsal poderá ser uma boa aposta tendo em conta que precisa de menos jogadores por equipa e é mais amigável por ser praticado em pavilhão?

- JMC: Não podemos anular um em função do outro. Entendo que devemos dar condições para que o Futsal aconteça, permitindo que aqueles que não querem ir para o Futebol também possam praticar Desporto num pavilhão e ser algo atractivo.

O Futebol tem um papel fundamental, está no bom caminho e acho que deve manter-se, tal como o Futebol Feminino.

“É muito natural que, na próxima década, tenhamos no seio da AFH mais Clubes com equipas de Futebol Feminino, (…)”

- DCM-AFH: No seu entender, as mulheres podem, realmente, vir a ser a “tábua de salvação”, tal como defende o Presidente Eduardo Pereira?

- JMC: Temos um problema demográfico que é a nossa primeira grande barreira. Se tivéssemos uma demografia mais alargada tínhamos mais homens, mulheres, crianças e jovens. O certo é que há um grande espaço para as mulheres. E acho que a Associação tem, claramente, de fazer campanhas e abrir linhas de passe e isso tem vindo a ser feito com a “FIFA Academy”.

A visibilidade que tem tido a Selecção Nacional de Futebol, que, em poucos anos, passou a figurar nas melhores do mundo, é muito importante! Quando os exemplos vêm de cima, ajudam. É muito natural que, na próxima década, tenhamos no seio da AFH mais Clubes com equipas de Futebol Feminino, o que é muito necessário, pois não se pode fazer um campeonato com duas equipas. É preciso mais competição.

As equipas masculinas e as femininas têm uma natureza e uma vocação diferentes, mas podem ter o mesmo público. As pessoas também começam a admirar o Futebol Feminino. E quando começar a aparecer vai ser novidade outra vez, pois já houve uma altura em que foi uma realidade, mas caiu. No entanto, os tempos agora parecem ser outros. Quando eu olho para a Federação e vejo uma dinâmica própria, sei que a Federação vai fazer esse trabalho com as Associações no sentido de estimular as crianças e as jovens mulheres para a prática do Futebol, que é um Desporto tão bonito.

Temos, em São Jorge, uma Associação – a AtlânticFut – que aposta na Formação, mas que foi buscar uma equipa Feminina de Futebol. O Vitória do Pico também tem, assim como o Flamengos, no Faial. Agora, só precisamos de multiplicar estes bons exemplos.

“Temos de chegar ao tempo em que não é o género que manda, mas, sim, a competência e a vontade/disponibilidade”

- DCM-AFH: As mulheres são Jogadoras, Treinadoras, Árbitras, Dirigentes, Fisioterapeutas, trabalham muitíssimo na sombra, mas presidir a um Clube de Futebol é algo bastante raro não só a nível local e regional (temos uma excepção na nossa Associação, que é o Futebol Clube da Madalena) como até a nível nacional e internacional. Será que é por este ser ainda um território bastante masculino?

- JMC: A nossa cultura é ainda bastante masculina, mas isso faz parte de uma história com séculos e séculos e séculos. Enquanto existir necessidade de leis de paridade é mau, mas é um mal necessário, ou seja, a lei existe por necessidade. É a prova de que há um caminho a percorrer, no sentido de que foi preciso recorrer a essa lei.

No Desporto é preciso estímulo, é preciso essa cultura de participação das mulheres, mas o tempo vai fazer com que as mulheres saiam da sua zona de conforto, pratiquem mais desporto e actividades aparentemente masculinas, como é o caso do Futebol, que é um desporto “de barba rija”, de Inverno, o que parece não bater com as mulheres. Mas isto é um ‘cliché’ que vai cair, atendendo a que há muitas mulheres que gostam do Futebol e se ganharem o gosto pelo Futebol atrás de uma amiga vem outra e atrás delas surgem presidentes no feminino.

As mulheres já tomam contam de universidades e dominam o ensino secundário. Portanto, elas não têm de ficar na sombra, pois há mulheres mais talhadas para a liderança, tal como acontece com certos homens. Temos de chegar ao tempo em que não é o género que manda, mas, sim, a competência e a vontade/disponibilidade.

Futebol - Equipa Feminina de Sub-14 da AFH, com o Treinador Eugénio Botelho

Fotografia: Arquivo da AFH

- DCM-AFH: O Presidente Eduardo tem feito força para que as mulheres estejam mais presentes. Percebe-se que ele tem essa abertura, essa vontade, mas isso não basta.

- JMC: Criar regulamentos, estruturas ou condições, por si só é pouco. É preciso que a bondade dessas medidas chegue às mulheres, que elas se estimulem por isso, que percebam que aquele espaço é delas e que fazem tanta falta quanto eles no Desporto. A sociedade também vai reconhecer isso, pois toda a gente que pratica desporto quer público. O desporto feminino quando começar a ter o mínimo de organização e de competitividade, vai ter público e até pode ter mais do que o outro. Mais forte, mais entusiasta, porque voltamos a ter a novidade. O Futebol Feminino ainda cria alguma estranheza e, portanto, vamos ouvir dizer: “Como elas jogam tão bem!” Mas isto só acontece agora, porque um dia, mais tarde, esta frase já não vai fazer sentido, uma vez que vai ser habitual e não novidade. Se no Futebol estamos com problemas em recrutar atletas no sector masculino pelo facto de já estarem bastante escolhidos e o que fica de fora não ser muito, a margem de progressão e de recrutamento no feminino é quase total. Por onde se pode crescer na AFH, uma Associação pequena – a mais pequena do País! – é precisamente pelo Futebol Feminino, que é um filão a explorar. Mas leva tempo, porque há razões históricas e culturais, que não deixam este processo seguir à velocidade desejada.

É preciso sensibilizar o público feminino para a prática do Futebol, porque é uma modalidade bonita e que encaixa perfeitamente no temperamento e na personalidade da mulher. Acabemos com essa ideia de que o Futebol é só para homens.

- DCM-AFH: O que o levou a aceitar, sucessivamente, os convites do Presidente Eduardo Pereira?

- JMC: Em primeiro lugar, este não é um cargo que me roube muito tempo. Mas, o primeiro critério de todos foi a amizade e consideração pessoal que tenho por ele, desde o tempo em que era Vice-Presidente do Dr. Faria de Castro, que dizia que o Eduardo Pereira era o seu “braço direito”. Chegou a dizer-me isso várias vezes. Já nessa altura era um elemento fundamental. Claro que eu percebi, desde sempre, que o Eduardo Pereira tinha o projecto de transformar uma pequena Associação numa grande Associação, de alma grande e cheia. E, a partir daí, também entrou o meu gosto pelo Desporto, além do empenho cívico. Às vezes é preciso substituir o Presidente da Assembleia-Geral e noutras alturas já foi necessário dar outro tipo de contributo à Associação, o que, modestamente, fui fazendo dentro das minhas possibilidades. Mas o critério primeiro, o original, tem a ver com a ligação pessoal, porque acreditei no projecto dele.

“(…) quando se pergunta qual é o melhor Presidente das Associações de Futebol dos Açores, o Eduardo Pereira aparece sempre no topo”

- DCM-AFH: O actual Presidente já se encontra em funções há vários anos, e, provavelmente, vai continuar. Acha que ele é o homem certo no lugar certo? Ele continua a ter essa capacidade ou mais do que nunca é a pessoa indicada com vista à execução dos projectos na calha (Sede, Academia e Centro de Estágio) e até pela própria ligação e aceitação que tem na Federação, o que poderá facilitar a viabilidade destas estruturas?

- JMC: A primeira coisa que temos de saber é se ele próprio está motivado, porque são muitos anos de aturado trabalho. Por definição, entendo que, em certos sectores, as pessoas não devem eternizar-se nos cargos. É bom renová-los e dar espaço a outros.

- DCM-AFH: Mas não é um cargo fácil de preencher!

- JMC: Exactamente! O cargo de presidente de uma associação não é, realmente, nada fácil. E como referiu, existem vários projectos na calha, projectos estruturais que vêm dar uma nova face à Associação e criar condições físicas para todos. Posto isto, o que é certo é que o Eduardo Pereira está com “a mão na massa”. E se tal é, abandonar a situação nesta altura – e eu não estou aqui a fazer o culto da imagem, estou a tentar ser factual – pode não ser o melhor. Há um tempo para tudo. Mas ele continua com energia. Obviamente que ele está envolvido em muitas frentes, incluindo a política, não sendo um Presidente completamente disponível. Mas é um Presidente que tem essa grande relação de proximidade com a Federação, que tem canais privilegiados com as Associações. É muito bem visto nas Associações. Aliás, é muito bem visto em todos os Clubes das Associações dos Açores, porque eu conheço isso particularmente.

Alguns presidentes da Terceira, da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo; e de São Miguel, da Associação de Ponta Delgada, dizem que queriam era que ele fosse presidente deles. O Eduardo é acarinhado por eles e quando se pergunta qual é o melhor Presidente das Associações de Futebol dos Açores, o Eduardo Pereira aparece sempre no topo. Pode até não ser tão reconhecido na “sua” Associação, mas, de facto, ainda não passou o prazo de validade e está num processo muito importante ao nível destes vários projectos, o que faz com que se sinta motivado. Mas precisa de gente à sua volta que o apoie, pois, sozinho não conseguirá levar avante um projecto destes. Ele vai deixar um grande legado à AFH. Por isso, se tiver saúde e vontade, tem de ficar mais algum tempo, porque não se vislumbra, de imediato, uma alternativa, atendendo a que é preciso ter conhecimento, experiência, contactos, uma visão estratégica. E ele tem uma visão estratégica do que é o Futebol. Ele conhece, como ninguém, toda a realidade associativa (por dentro e por fora), inter-associativa e federativa.

- DCM-AFH: Há quem diz que seria uma injustiça o actual Presidente deixar a liderança antes do centenário da Associação – estamos a sete anos de distância – mas a verdade é que um próximo mandato ainda não chega lá. Acha que para ele seria um gosto estar no centenário atendendo ao percurso que fez, aos projectos que estão na calha, e, que, nessa altura, provavelmente, já estarão todos concretizados? Seria a cereja no topo do bolo ele ficar até 2030? Claro que já sabemos que antes de mais, tudo depende dele. Mas vamos acreditar que ele tem vontade, energia e que os projectos só vão estar executados nessa altura. Se tudo isto bater certo, ele “tem” de ser Presidente no centenário?

- JMC: Parece-me que sim. Se estiverem reunidas as condições essenciais, que são saúde e vontade própria, porque o ‘know-how’ está lá e é imbatível – ele é imbatível no que diz respeito ao ‘know-how’ associativo – ele é a pessoa certa para levar “a carta a Garcia”, ou seja, para estar lá no centenário, ou chegar à Terra Prometida, que não foi alcançada por Moisés, mas, sim, por Josué.

Na cabeça dele, sete anos talvez represente muito tempo e há muita coisa à frente, mas com todos estes projectos que ele conseguiria fazer até lá (sete anos já permite alavancar uma série de coisas) seria muito saboroso experienciar esse momento simbólico e forte como é o centenário!

“[Com as Galas] o respeito e a ligação aumentaram!”

Aspecto da (I) Gala AFHorta - 89º Aniversário, realizada em Novembro de 2019, na ilha do Pico, no momento em que eram cantados os parabéns à Associação de Futebol da Horta.

Da esquerda para a direita: Presidente da Associação de Futebol da Madeira, em representação das Associações Distritais Regionais de Futebol, Rui Marote; Presidente da FPF, Fernando Gomes; Presidente da AFH, Eduardo Pereira; Vice-Presidente da Assembleia-Geral da AFH, José Manuel Caldeira; e Luciano Gonçalves, Presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol

- DCM-AFH: As Galas são uma marca deste Presidente. Como olha para este evento?

- JMC: Eu que sou da Cultura, mas também do Desporto, tenho de aplaudir as Galas! A Gala é uma marca cultural. Desporto é Cultura! A Gala veio aproximar pessoas e valorizá-las e todas as Galas trouxeram a Federação atrás, o que significa muito!

Defendo que a Gala deve manter a sua rotatividade, ainda que com intervalos de tempo maiores do que aconteceu recentemente, pois, sabemos que estas deslocações implicam uma grande logística e avultado investimento. Mas é imperioso ir a todos os cantinhos. Quando se quer mostrar que a Associação é de todas as ilhas, aqui está uma grande mostra disso. Quando a AFH realizou a Gala nestas quatro ilhas, foi possível ver como todos foram recebidos. O respeito e a ligação aumentaram! Esta é uma Associação muito descontínua, pelo que estas iniciativas têm muita importância no sentido de aproximar.

- DCM-AFH: O facto de predominarem várias geografias e especificidades, representa uma dificuldade acrescida na sua gestão.

- JMC: A Associação de Futebol da Horta é a única com implantação em quatro ilhas e para unir todas as suas parcelas tem de recorrer a transportes aéreos, marítimos e terrestres, com tudo o que isto implica.

Angra e Ponta Delgada também têm alguns problemas comuns, mas no caso da Horta temos quatro ilhas e muito distantes. Em termos federativos e políticos, é preciso olhar para estas Associações com uma atenção especial. E eu sei que isso já acontece no caso da AFH, pois é inegável que os contactos pessoais e amistosos abrem portas. Toda a gente sabe disso. Não é segredo. É verdade que a Federação tem de olhar para todos de forma igual, mas quando há um Presidente e uma Associação com estas características e uma relação muito próxima, tudo se torna mais fácil. O Dr. Faria de Castro também já tinha um certo peso na Federação. E o Eduardo integra a equipa do Dr. Fernando Gomes. Tudo isto ajuda, naturalmente.

“Para o seu tempo, o Faria de Castro foi um bom Presidente”

- DCM-AFH: Trabalhou com o anterior Presidente da AFH enquanto esteve na presidência do Vitória e desde há anos que faz parte da equipa de Eduardo Pereira. É possível estabelecer um paralelismo?

- JMC: Antes de o Dr. Faria ser Presidente da Associação, já tínhamos sido colegas na docência. Do ponto de vista financeiro, era sempre muito preocupado e cauteloso, mas não tão “democrático” como o Eduardo Pereira. Podemos dizer que ele tinha um modelo que, aparentemente, parecia um pouco monárquico, ao passo que o Eduardo é mais republicano. Não estou a dizer que ele não ouvia os Clubes nem os quisesse respeitar, mas não dava muito espaço ao diálogo e tinha a convicção de que a sua ideia é que havia de prevalecer. Sentia muita dificuldade perante o contraditório. Este era, aliás, o seu calcanhar de Aquiles. Constatei isso algumas vezes. Não há dúvidas de que foi um Presidente reivindicativo, mas, também, polémico. Gostava, de facto, de desenvolver polémicas, que eram uma marca dele. E então com o Pico desenvolveu muitas, o que criou algumas dificuldades. Também tivemos os nossos ‘quid pro quos’, mas reconheço que era culto, sensível e educador. Isso é inquestionável. E deixou marcas positivas.

Enquanto professor, via o Futebol como uma escola, como um processo educativo para os nossos jovens. Essa ideia ficou registada no autógrafo que ele me dedicou no seu livro.

Para o seu tempo, o Faria de Castro foi um bom Presidente. É preciso ver que as décadas de 80 e 90 não têm nada a ver com estes novos tempos, com esta nova abertura e toda esta dinâmica. Se o Eduardo Pereira tivesse desempenhado o cargo há 30 ou 40 anos, não seria exactamente como é agora. Como dizia o filósofo espanhol Ortega y Gasset, “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”. Um presidente também é resultado das suas circunstâncias.

Na (I) Gala AFHorta - 89º Aniversário, na Categoria de “Entidades” a AFH distinguiu o Serviço de Desporto do Pico. O Troféu foi entregue ao Director deste Serviço, Carlos Maciel, pelo Presidente da Assembleia-Geral da AFH, José Manuel Caldeira

Fotografias de: José Feliciano

“(…) o resgate é meritório, é de saudar (…). Contudo, tem de haver um ponto de equilíbrio, para que não se caia em exageros ou elogios fáceis”

- DCM-AFH: A implementação do Departamento de Comunicação e Marketing, o resgate histórico, que se encontra em marcha, e a realização das Galas, são tudo sinais deste novo tempo, marcado por uma maior abertura, proximidade e dinamismo. Há quem possa ver tudo isto como um investimento, mas, também, como encargos para a Associação.

- JMC: Quanto ao resgate histórico, o Faial tem uma vantagem enorme em relação ao Pico, em que se perdeu muita informação. O projecto é óptimo, mas claro que pode ser encarado por alguns como vontade de gastar dinheiro, excesso de livros, questionando mesmo a razão de ser deste Departamento.

O conhecimento histórico e cultural aparece agora como nunca. Embora também tenha sido editado um livrinho por altura dos 75 Anos da AFH, da autoria do Dr. Faria de Castro, é muito esquemático e apenas de tópicos, mas podemos dizer que foi o possível para esse tempo e sinalizou a data.

No presente, estamos a falar de produções com muitos comentários, muita análise, muita reflexão, trazendo para a praça pública pessoas que já fizeram um grande trabalho, dando a conhecer outras que já estavam no anonimato e recordando outros trabalhos. Em tese, o resgate é meritório, é de saudar e tiro o chapéu mexicano. Contudo, tem de haver um ponto de equilíbrio, para que não se caia em exageros ou elogios fáceis. Há sempre quem possa ver estes livros como um acto auto-promocional, E quando falo nisto, falo mesmo em relação ao Presidente Eduardo Pereira.

Temos de passar a ideia de que temos um grande Presidente, que está a fazer um trabalho excepcional e precisamos dele nos próximos anos. Mas, cuidado, para não passar a ideia do culto da imagem, no sentido de isso ser mal interpretado por quem de fora está a analisar a situação. Há sempre gente de dedo em riste à procura do exagero, para poder dizer: “Isto é tudo promoção e ego, para ficar bonito, para fazer carreira política”. É preciso travar alguma euforia e haver ponderação. Não cabe tudo nem de qualquer maneira neste resgate. Tem de haver um critério muito apurado para não banalizarmos nem descredibilizarmos o projecto, passando uma imagem de carreirismo e vedeta. Não há bela sem senão. Uma coisa é o grande trabalho histórico de memória e outra coisa é aquilo que pode parecer excessivo e interpretado como sendo para outros fins.

“(…) aceitei, por achar que poderia dar um contributo e colocar o Vitória no mapa Açores, o que aconteceu, (…)”

Vitória Futebol Clube, vencedor da Taça Açores 2003/2004.

Atrás, da esquerda para a direita: Jorge Santos, Director; João Graça, Treinador-Adjunto; Emanuel Bettencourt Melo, Treinador Principal; Hugo Azevedo, Ivo Rosa, Marco Jorge, Rui Maciel, Vítor Teixeira, Filipe, Isaías Fontes, António Fernando, Jogadores; Rui Alvernaz, Massagista; Hélder Bettencourt, Guarda-Redes; Francisco Ferreira, Director Desportivo; José Manuel Caldeira, Presidente da Direcção; José Maia (mais conhecido como Mariano), Roupeiro; Paulo Terra, Secretário; e Nuno Dart, Tesoureiro.

À frente, pela mesma ordem: Nuno Azevedo, filho de Hugo Azevedo, Mascote; Nuno Freitas, José Eduardo, Lourenço Vargas, Mário Garcia, Mário Freitas, Guarda-Redes, Capitão de Equipa e Vice-Presidente; Joel Sousa, Marinho, Rúben Azevedo e Sérgio Azevedo, Jogadores

Fotografia cedida por: Emanuel Bettencourt Melo

- DCM-AFH: Foi Presidente do Vitória, o que constitui um marco na sua vida, com notórios pontos de orgulho. Voltava a embarcar numa experiência destas?

- JMC: À data de hoje e nas actuais circunstâncias está fora de questão voltar a ser Presidente do Vitória. Mas foi um momento de algum entusiasmo. Eu tinha acabado de regressar do Continente, já de forma definitiva, e falaram comigo no sentido de abraçar este projecto. E aceitei, por achar que poderia dar um contributo e colocar o Vitória no mapa Açores, o que aconteceu, mas pagando por isso, como é público, porque houve gente que entendeu e outros que não e aproveitaram-se bem.

Mas, o que realmente interessa reter desse tempo é o trabalho realizado, em que ganhámos uma Taça Pico, uma Taça Açores (2003/2004), assim como o primeiro Campeonato da AFH – o Vitória conquistou seis Campeonatos – e permanecemos na Série Açores, não descemos. Sou o único Presidente do Vitória que não desceu. Todos os presidentes que passaram por lá desceram, menos eu.

No ano seguinte à conquista da Taça Açores, ou seja, em 2004/2005 fomos à finalíssima da Taça Açores, a São Miguel, perdendo frente ao Rabo de Peixe por 5-4, na marcação de grandes penalidades (no jogo empatámos 1-1). E, perante este resultado, também posso dizer que o Vitória Futebol Clube arrebatou, de forma consecutiva, duas Medalhas da Taça Açores, o que penso ter sido um feito inédito na sua história.

Dentro dos títulos conquistados, refiro, orgulhosamente, o facto de os Iniciados se terem sagrado Campeões Faial/Pico, pela primeira vez, na Época de 2004/2005, além de o Vitória ter alcançado um honroso 6º lugar na Série Açores, em 2005/2006.

Na Época de 2004/2005, os Iniciados do VFC sagraram-se, pela primeira vez, Campeões Faial /Pico

Fotografia cedida por: Paulo Plácido

O que é certo é que se especula muito, porque foi preciso gastar dinheiro. Houve aspectos que revelaram falta de experiência da minha parte. A única experiência que eu possuía era enquanto colaborador de jornais no Desporto, pois tinha acompanhado os Clubes do Pico, na década de 80, ligado ao “Correio da Horta”, no Suplemento “Correio Desportivo”, coordenado pelo Souto Gonçalves. Tinha alguma relação com muitos Clubes, mas não tinha qualquer experiência em termos de gestão de Clube. Foi uma estreia total e logo como Presidente! Foi uma presidência que correu bem no plano desportivo e orgulho-me do que foi alcançado, que está, aliás, à vista. Daí para a frente, estamos a falar de outro Vitória. Mas tenho de referir que a minha entrada no VFC coincidiu com a inauguração do sintético, o que fez toda a diferença. Conjugou-se uma ideia minha, utópica, e o Vitória começou a marcar pontos em todo o lado, o que foi muito positivo.

Fonte: “Jornal do Pico”, edição de 07 de Maio de 2004

E falando no sintético, recordo que a inauguração aconteceu em Abril de 2004, tendo vindo ao Pico o Vitória de Setúbal, o meu Clube desde adolescente. Foi o concretizar de um sonho, já que eu, sendo sócio do Vitória de Setúbal desde os 11 anos de idade (do Madalena fui aos 15 e só mais tarde me tornei sócio do Vitória do Pico) sempre disse que um dia gostava de trazer “o meu Clube” ao Pico! E isso aconteceu nesta altura, em que contei com o apoio da Câmara de São Roque. Foram organizados dois encontros, que envolveram o Vitória de Setúbal, o Vitória Futebol Clube e a Selecção da AFH.

O cantor Toy também abrilhantou o programa, tendo sido oferecido um passeio ao Vitória de Setúbal pela ilha do Faial, cujo cicerone foi o amigo Faria de Castro. Ao remexer nestas memórias, refiro a particularidade de o primeiro jogo oficial no novo sintético ter tido lugar no mês de Maio, com os vizinhos do Faial: Grupo Desportivo do Salão.

Fonte: “Jornal do Pico”, edição de 23 de Maio de 2004. Estas memórias jornalísticas foram gentilmente cedidas pelo “JP”

Claro que há pessoas que fazem outras leituras e até acham que o Clube podia ter fechado portas comigo. De facto, houve derrapagem e algumas coisas ultrapassaram-me. No entanto, a responsabilidade foi minha. Apesar de ter havido outras causas – que as pessoas facilmente depreendem – o certo é que a parte desportiva e a cultura ganhadora do Vitória começam justamente em 2004/2005. Basta ver a quantidade de provas ganhas desde 2004/2005 até 2023 e ir analisar o que foi conquistado anteriormente a 2004/2005.

Recordo que o Vitória foi fundado a 01 de Maio de 1951, tendo-se filiado na Associação em Julho do mesmo ano. Posteriormente, fez o seu percurso na FNAT e no INATEL e só depois, na década de 80 (1982), é que se (re) filia na Associação de Futebol da Horta. Portanto, a partir da década de 80, de 1984 até 2004 (20 anos), o Vitória não ganhou uma única prova Faial/Pico! Mas nos 20 anos seguintes é grande o número de provas conquistadas e o nome que o Vitória alcançou.

No decorrer da minha presidência, o Vitória já contava com um Departamento de Cultura, onde pontificaram Bailes de Carnaval e Teatro, entre outras iniciativas. E saliento algo que constituiu um grande pioneirismo para aquele tempo, que foi o facto de já darmos Apoio Escolar aos Iniciados, o que se traduzia em Explicações, a cargo de Manuel Soares.

No capítulo da Formação, gostava de realçar que eu e a minha equipa trouxemos ao Pico as Escolas do Benfica, do Belenenses, do Linda-a-Velha e do Clube Futebol Benfica (popularmente conhecido como “Fofó”). Do Belenenses veio o famoso Vicente, irmão de Matateu, as duas figuras maiores de sempre deste Clube.

Aproveito esta oportunidade para afirmar publicamente que, para mim, actualmente o Vitória tem o melhor presidente da sua história. O Paulo Plácido está a fazer um excelente trabalho e é de presidentes destes, de projecto, que o Clube necessita. O Vitória é um Clube certificado – que está a preparar-se muito bem – e que conta com Três Estrelas alcançadas em três temporadas consecutivas. É público que não quis assumir o Campeonato de Futebol dos Açores e fez bem. Se estivesse lá teria feito o mesmo, pois, esta prova tem de ser revista.

Campeonato de Futebol dos Açores: “Hoje, estão é a prejudicar o jogador açoriano e a liquidar ilhas como Faial, Pico, São Jorge e Graciosa, (…)”

- DCM-AFH: O que é que tem de mudar?

- JMC: A questão do jogador açoriano e o Campeonato de Futebol dos Açores têm de ser revistos rapidamente. Esta prova tem de ser revista, porque está completamente descaracterizada. Nunca se sabe quantos Clubes podem cair na época seguinte, além de que é uma prova que beneficia, claramente, São Miguel e Terceira. O Campeonato de Futebol dos Açores penaliza o jogador açoriano. Estamos perante uma discriminação total. Se, no início, muitos estavam convencidos de que iam proteger os açorianos, isso eram outros tempos! Hoje, estão é a prejudicar o jogador açoriano e a liquidar ilhas como Faial, Pico, São Jorge e Graciosa, que, para terem Clubes nesta prova e para se manterem, têm de abdicar de todos os subsídios. Não se entende! Já se fala nisto há anos e quem de direito não fez nada pelo jogador açoriano. Quase de certeza, que a prova vai cair. Eu vaticino isso.

É a primeira vez que, na história da AFH, esta Associação não tem representante. A prova tem de desaparecer e dar lugar a um Campeonato de Portugal. As pessoas ainda não perceberam que, a partir do momento em que entrou a III Liga foi alterada a estrutura do futebol federativo. E a III Liga foi um passo de génio da Federação, tal como foi o Canal 11. Tudo isto funciona como uma alavanca muito importante. Contudo, ainda não acordaram para uma prova do Campeonato dos Açores – que antigamente era a Série Açores – uma prova que já está gasta e deixou de fazer sentido. O conceito inicial foi perdido. Tinha de entrar um Campeonato de Portugal que substituísse a prova e que abrangesse uma série de equipas. E o Governo Regional fez uma coisa altamente injusta aproveitando a pandemia. O Campeonato de Futebol dos Açores tinha uma segunda fase e o Executivo Açoriano deixou cair, na altura, com argumentos ligados à pandemia e ao aproveitar isso ficámos com uma prova reduzida, curtíssima, que não permite que as equipas se prepararem.

O Flamengos também abdicou esta Temporada, mas por outras razões. Alegou que tinha sido convidado tardiamente, não dispondo, por isso, de tempo para se preparar. O Vitória invoca falta de jogadores e o facto de não poder ir buscar jogadores açorianos, atendendo a que os mesmos não são permitidos. O Vitória ficou impedido de todas as maneiras. E se fosse para a frente, corria o risco de descer logo a seguir e depois poderia nem sequer ter jogadores para o Campeonato Faial/Pico. Portanto, o Vitória fez muito bem, já que neste momento não dispõe de condições.

- DCM-AFH: Sempre foi um homem ligado ao Desporto. Esse percurso tem facilitado a sua missão na Assembleia-Geral da AFH?

- JMC: Hoje, as exigências são outras, mas há sempre um conhecimento e uma mundividência diferente pelo facto de ter sido Presidente do Vitória, do que se tivesse caído de pára-quedas na Assembleia-Geral, sem ter tido qualquer tipo de experiência, nem soubesse o que é gerir um Clube, assim como os seus problemas internos. É diferente! Quando se tem experiência no terreno – no meu caso ultrapassou um pouco os três anos de mandato, de 2003 a 2006 – e em que foi alcançado o primeiro título do Vitória com provas regionais, participação na Série Açores e tudo o mais, claro que isso ajuda a ter uma percepção diferente quando a missão se coloca deste outro lado da barricada. O passado ajuda naquilo que faço no presente.