Um dos cérebros que há 75 anos fazia nascer o jornal desportivo “A Bola”, na capital lisboeta, foi Presidente da Direcção da Associação de Futebol da Horta (AFH). Falamos de Vicente da Costa Melo (o 3º na fotografia), que, juntamente com Cândido de Oliveira (Futebolista, Jornalista e Treinador de Futebol) e António Ribeiro dos Reis (Tenente-Coronel), fundaram, a 29 de Janeiro de 1945, “A Bola”, aproveitando um título cedido pelo “Diário de Lisboa”.

A ideia nasceu à mesa de um café de Lisboa, numa altura em que a II Guerra Mundial estava perto do fim e renascia o interesse pelo desporto. O primeiro número, sob a direcção de Álvaro Andrade, foi elaborado por um grupo de amigos do jornalismo desportivo e teve uma grande aceitação por parte do público, tendo esgotado a sua edição. Tinha como preço 1 escudo, o que significava que era mais caro do que os 15 tostões que custava a revista “Stadium”, líder de mercado.

Inicialmente, o jornal “A Bola” era editado às segundas e sextas-feiras, mas depois optaram por trocar a sexta pela quinta-feira. Cerca de 1 ano após o lançamento, “A Bola” teve a edição suspensa durante pouco menos de um mês: entre 25 de Março e 19 de Abril de 1946, pelo facto de a Comissão de Censura não ter gostado da maneira como foi tratada uma selecção inglesa de futebol.

Em Julho de 1950, “A Bola” passou a ser um jornal tri-semanário, dado o interesse manifestado pelos leitores, especialmente a partir do momento em que a equipa de futebol do Benfica venceu a Taça Latina. O sábado foi o terceiro dia escolhido para a publicação do jornal. Esta fórmula manteve-se durante perto de 39 anos até, que, em Março de 1989, passou a ser publicado também ao domingo. Esta quarta edição semanal surgiu pela necessidade de dar mais destaque às modalidades de alta competição, uma vez que por essa altura houve várias conquistas internacionais de corredores portugueses a nível de atletismo, Entretanto, já nessa altura o jornal era impresso em “off-set” tendo sido posto de parte o chumbo, por imposição da administração do “Diário Popular”, quotidiano de Lisboa, onde era composto e impresso.

O ano de 1992 ficou marcado pela introdução da cor na primeira e última páginas. Contudo, a maior transformação deu-se em Fevereiro de 1995, quando “A Bola” passou a ser um jornal diário, ao mesmo tempo que trocava o grande formato pelo tabóide, de modo a poder ser lido com mais comodidade.

Em Janeiro de 2000, as edições diárias passaram a estar disponíveis também na ‘internet’.

O jornal “A Bola” é vendido em todo o território nacional e conhece também grande expansão junto dos núcleos de emigrantes.

 

Vicente de Melo nas Flores, Corvo, São Jorge e Faial

 

Vicente da Costa e Melo, Médico e Dirigente Desportivo, nasceu em Mourisca do Vouga (Águeda), a 11 de Setembro de 1897, e faleceu em Lisboa, a 06 de Setembro de 1972. Era filho de Manuel Joaquim da Fonseca e Melo, natural da Freguesia de Trofa (Águeda), e irmão de Manuel da Costa e Melo, Advogado e Político.

Concluiu o Liceu em Aveiro e no Porto e licenciou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

O facto de ser médico e de ter sido desafiado, fez com que Vicente de Melo tenha exercido nas ilhas das Flores e do Corvo. Posteriormente, o regime deportou-o para São Jorge.

A crise económica que afectou o Banco do Faial, trouxe-o até à ilha do Faial, tendo fixado residência na cidade da Horta, durante vários anos. Foi no decorrer dessa permanência que, além de Director desta instituição bancária, desempenhou as funções de Presidente da Associação de Futebol da Horta (de 1936 a 1937), do Angústias Atlético Clube e da Sociedade “Amor da Pátria”. 

De regresso ao Continente português, pouco antes rebentar a II Guerra Mundial, estabeleceu-se em Lisboa, tendo sido Tesoureiro no Sport Lisboa e Benfica (SLB) e na Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

De realçar que o seu irmão, Manuel da Costa e Melo, foi igualmente Presidente da Direcção da Associação de Futebol da Horta no mandato de 1942/1943, tendo sido, ainda, treinador do Atlético. E neste capítulo foi muito bem sucedido graças à técnica que havia implementado, motivando os jogadores com o suplemento que lhes dava, chamado “Banacao”, uma mistura de banana com cacau. Foi graças a essa estratégia que ficou conhecido como o “Dr. Banacao”.

Um médico visionário

 


No suplemento do jornal “A Bola” deste dia festivo, ficamos a conhecer o início desta história jornalística, que se confunde um pouco com o percurso de Vicente de Melo:

“(…).

Lisboa continuava a ser o que Fernando Dacosta diria que era: “Parecia feita de risos, de canções, de costureirinhas audazes, de récitas esfuziantes, de tias abastadas da província, a província paraíso ainda não perdido – como a África. António Silva impunha a ordem, Vasco Santana o absurdo, ordem e absurdo harmonizados sob gargalhada de delírio; Beatriz Costa corroía os sonhos dos adolescentes, o país era um cenário, a realidade uma fantasia”.

Havia, porém, quem não a vivesse assim, a vivesse a discuti-la (e ao mundo, a outros mundos…) por tertúlias como a do Café Restauração, refúgio verbal possível de velhos e novos democratas – e foi por lá que de Cândido Oliveira se soltou a hipótese de se lançar um jornal ao futuro. António Ribeiro dos Reis, que com ele jogara futebol no Benfica, exultou com a ideia – mas logo lembrou que, com o ordenado de oficial do Exército, poucas hipóteses teria de se atirar à aventura, que, em contas por alto, poderia chegar a 100 contos, (só para os primeiros números, os primeiros tempos).

Por lá, pela tertúlia do Restauração, passava amiúde Vicente de Melo. Tendo como mestres Egas Moniz, Pulido Valente e Fernando da Fonseca (que seriam, todos eles, das primeiras vítimas da ditadura salazarista…) – e, ao formar-se em Medicina,Manuel José da Silva, que era deputado do Partido Republicano, desafiou-o a exercer nas Flores, ilha onde médico não havia: “Um cavalo e um barco a remos eram os únicos transportes de que dispunha para visitar os doentes. Chegava a ter de ir de barco de remos a outra ilha, a do Corvo, quando chamado por fogueiras acesas no alto da Caldeira, em caso de emergência” (contou-o, a fio).

Das Flores seria deportado para São Jorge por “motivos políticos”. Grupo de aflitos credores que tudo poderiam perder na falência do Banco do Faial escolheram-no, então, para seu representante no caso, passou a director da instituição e salvou-a de morte. Para isso, Vicente de Melo recebera permissão para passar a viver na Horta – e com a medicina definitivamente pelo caminho, com Manuel José da Silva se envolveu igualmente no Angústias Atlético Clube e na Associação de Futebol da Horta.

Com a II Guerra Mundial a correr para o fim, Vicente de Melo largou dos Açores para Lisboa – e logo passou a tesoureiro do Benfica. Em outubro de 1944, joga contra o Belenenses (que tinha como presidente Américo Tomás a caminho de se tornar ministro de Salazar) para o Campeonato da Lisboa, acabou em escaramuça. Com os benfiquistas a perderem por 0-1, invalidou-se golo a Rogério – e a caminho dos balneários estoirou sururu. Júlio Ribeiro da Costa, presidente da AG e “marcado opositor do regime”, insultou o árbitro, a FPF suspendeu-o por um ano, multou o clube em 3000 escudos. O Benfica recorreu das penas – insinuando que em tudo aquilo havia “razão de vingança política”. A DGD irradiou Augusto da Fonseca, o presidente que era também anti-salazarista vincado, suspendeu toda a sua Direção – e Vicente de Melo foi na levada. (Tesoureiro foi ainda da FPF – e nessa época de viagens de comboio e prémios de laranjadas e maços de cigarros, ganhou fama pelo seu espírito para a “economia dos tostões” – sobretudo quando se soube que o doutor Vicente negara visto para conta de charutos apresentada por Tavares da Silva, o selecionador nacional).

Estando-se à beira de 1945, ao entrar em casa, após a conversa no Restauração em que Ribeiro dos Reis e Cândido de Oliveira lhe falaram do projecto que sonhavam alinhavar, Vicente de Melo largou a euforia ao espanto da esposa: “Sim, vou ajudar a fundar um jornal. Com o Cândido e o Ribeiro é dinheiro em caixa. Olha, é como se tivesse acabado de comprar bilhete de lotaria tendo a certeza antecipada de me sair a sorte grande”. 15 contos foi o que adiantou para pôr o projecto em marcha, prometendo que se fosse preciso até aos 100 contos, arranjaria. (Por 100 contos podiam comprar-se, então, dois automóveis Austin A40 – e no ano anterior o Benfica gastara 85. 250 contos com Biri, treinador que o fizera campeão).

A 21 de setembro de 1945, A BOLA passou a sociedade – com capital social de 60 mil escudos em quatro quotas de 15 repartidas por Vicente Melo, Cândido de Oliveira, Ribeiro dos Reis e Artur Rebelo. Um ano depois, cada um deles teve direito a receber da empresa cerca de 100 contos – prova de que o prognóstico do Dr. Vicente não falhara: era mesmo a lotaria que levara do Restauração”.

 

Cristina Silveira