O Futebol foi a primeira e única modalidade a que se dedicou Victor Manuel Ramos Pereira, um florentino de Ponta Delgada, que cedo abraçou a Arbitragem, área onde já foi distinguido duas vezes ao longo da sua carreira de 26 anos. O gosto e a dedicação fazem com que este juiz da Associação de Futebol da Horta (AFH), na ilha das Flores, esteja disposto a dar a sua colaboração enquanto for possível, tendo também como ambição trabalhar para que outros possam abraçar a actividade, já que este é um sector que vive dias complicados devido à dificuldade em recrutar novos elementos.

Cristina Silveira

“Sempre gostei de Futebol e jogava com amigos e vizinhos na rua, ou melhor, na estrada principal, com duas pedras a fazerem de balizas. Também jogava Hóquei de Campo e estas eram as minhas diversões preferidas. Já na Escola, as brincadeiras com a bola começaram aos seis anos, mas só aconteciam depois das aulas”, começa por revelar Victor Pereira.

De forma séria, o pontapé de saída no “desporto-rei” foi dado aos oito anos na freguesia natal (Ponta Delgada) envergando as cores do Futebol Clube de Ponta Delgada. Essa foi a fase do Futebol de Salão e do Futebol de 5. Depois, já nos Iniciados, o nosso entrevistado jogou Futebol de 11 e, como não havia Juniores, transitou dos Juvenis, com 15/16 anos, para os Seniores.

Época de 1990/1991: Selecção de Iniciados das Flores, no Torneio Regional decorrido em Angra do Heroísmo, ilha Terceira

Época de 1992/1993: Equipa de Juvenis do Futebol Clube de Ponta Delgada, no Estádio Municipal das Lajes das Flores

O irmão de Victor Pereira – José Maria Pereira – um ano mais velho, também jogou no Futebol Clube de Ponta Delgada e no Grupo Desportivo “Os Minhocas”.

“Ficava na bancada à espera que alguém não comparecesse para eu poder entrar em campo”

Mas a verdadeira paixão de Victor Pereira fez com que tenha deixado de jogar para arbitrar. Mesmo já quando jogava e na época de interregno que fez a seguir aos Juvenis, este florentino aguardava, ansiosamente, que faltasse um Fiscal de Linha para poder ser Assistente “had-hoc”. “Ficava na bancada à espera que alguém não comparecesse para eu poder entrar em campo”, recorda, prosseguindo: “Quem me levou para a Arbitragem foi o sr. José Ramos Mateus, que era árbitro. Ainda trabalhei com ele como Fiscal de Linha. Foi este florentino que me incutiu a “semente” da Arbitragem, pois ele queria que alguém mantivesse a actividade, e tanto eu como o meu colega Ricardo – ambos na casa dos 40, sendo que a idade limite são os 47 anos – queremos também passar o testemunho para que a Arbitragem nas Flores possa ter continuidade”.

Diploma que atesta a aprovação de Victor Pereira no exame para Árbitro de Futebol, realizado a 09 de Abril de 1995

Juntando a grande vontade à necessidade de árbitros, Victor Pereira fez o Curso em Abril de 1995, nas Flores, ministrado por um monitor do Faial, tendo sido “muito participado”. E como árbitro encartado deu asas ao sonho na sua terra até 2003, altura em que foi estudar para São Miguel, a fim de tirar o Curso Profissional de Cozinheiro. Esta mudança permitiu conhecer outras realidades e evoluir na Arbitragem, tendo subido à primeira categoria distrital. “O meu salto na Arbitragem aconteceu precisamente em São Miguel, onde cheguei com 25 anos e arbitrei nas épocas de 2003, 2004 e 2005. Só nessa altura é que percebi a verdadeira realidade da Arbitragem. Nas Flores, os árbitros não treinavam, ao passo que em São Miguel havia três treinos semanais e ginásio uma vez por semana.

Considero que o melhor árbitro micaelense desse tempo era António Frias Soares, com quem trabalhei e muito aprendi! O Rui Cabral, tio do Vasco Almeida, que hoje arbitra na AFH, era assistente dele nos Nacionais”.

“Um árbitro sofre muito, mas é algo que encaro com normalidade”

De regresso às Flores, Victor Pereira continuou a arbitrar Futebol de 11 até 2006, época em que este acabou na ilha. Nos anos seguintes também apitou, mas apenas em torneios não oficiais (Torneio de São João e Torneio da Festa do Emigrante) e em 2010 fez “umas brincadeiras” no Futsal, uma vez que não possuía Curso, mas arbitrou, a convite de Marco Melo, da Associação de Desportos das Flores, a primeira Maratona de Futsal realizada na ilha.

Foi através do convite formulado pelo ex-árbitro florentino João Pedro Caetano, que o nosso entrevistado começou a arbitrar Futsal federado, também na AFH, tal como aconteceu com o Futebol. “Foi fácil, porque eu tinha experiência de saber estar e arbitrar, mas tudo isto implica ter conhecimento de normas e regras”, sublinha este juiz, que assinala: “A sinalética é totalmente diferente. De vez em quando ainda apito encontros de Futebol, mas apenas como ‘hobby’ e por gosto, pois não é o dinheiro que me faz estar na Arbitragem. E a prova disso é que eu percorria 70 quilómetros para ir arbitrar para as Lajes. Ainda hoje me mantenho na Arbitragem por “amor à camisola”, mas também não sou indiferente ao facto de haver falta de árbitros. Esta é a terceira época consecutiva em que nas Flores temos apenas dois árbitros e eu sou um deles, sendo que o outro é o Ricardo Pereira. Por isso, não é de estranhar que certos dias esteja em actividade no Pavilhão desde as 9 da manhã até às 10 da noite. Seria muito bom haver mais interessados, inclusivamente já contámos com alguns elementos femininos, mas o facto de prosseguirem estudos fora da ilha não permite um trabalho de continuidade e a verdade é que poucos jovens regressam à ilha e à Arbitragem”.

Victor Pereira, Ricardo Pereira e Ricardo Silveira na inauguração do Pavilhão de Santa Cruz das Flores, em 2015

Victor Pereira está consciente das dificuldades que um árbitro tem de enfrentar e por isso percebe que seja “muito difícil” cativar os mais novos para este mundo. “Os que gostam disto jogam e os outros não querem saber. Um árbitro sofre muito, mas é algo que encaro com normalidade. Existe disciplina e em 26 anos de actividade nunca tive qualquer problema com jogadores ou dirigentes. Jamais fui ameaçado; contudo já vi colegas meus serem alvo de ameaças.

Também já arbitrei jogos no Pico e no Faial e claro que ter um grupo maior é mais motivador. Quando éramos nove ou dez árbitros no Pavilhão de Santa Cruz não dispúnhamos de um Centro de Treino, o que se afigurava fundamental, mas agora esse investimento já não se justifica”. 

“(…) o Marco Silva como Presidente é excelente! Dificilmente, o Conselho de Arbitragem da AFH vai ter alguém como ele!”

Victor Pereira: “O melhor da Arbitragem é as amizades que fazemos”.

Da esquerda para a direita: Os árbitros Licínio Garcia (faialense), Nuno Goulart (picoense) e Victor Pereira (florentino), na Época de 2015/2016, (Fevereiro de 2016), no jogo entre Atlético e Madalena

O melhor da Arbitragem é as amizades que fazemos. Tenho amigos em todas as ilhas e já arbitrei em oito delas. Falta apenas Santa Maria. Tive oportunidade de ir lá, mas prefiro Faial e Pico.

Na Arbitragem das Flores sempre nos demos bem, dentro de um grupo forte e unido. Durante muito tempo, o Presidente do Conselho de Arbitragem da AFH foi o Carlos Neves, com quem nunca interagi directamente, uma vez que entregava os relatórios ao Delegado da Associação.

Desde 2012 que o Marco Silva preside ao Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol da Horta, sendo alguém que sabe estar e falar. O ‘score’ e a plataforma digital vieram criar um novo modelo de trabalho igual para todos.

Todos os meses vêm às Flores árbitros de fora apitar jogos da Série Açores e o Marco encontra sempre uma forma desses juízes nos darem formações, o que é maravilhoso no sentido de podermos esclarecer dúvidas. Gosto de aprender com quem sabe e alguns deles são internacionais, havendo, também, da 1ª e 2ª categorias nacionais.

16 de Novembro de 2015 - A fotografia recorda o grupo que fez a Formação de Árbitros, decorrida na ilha das Flores, ministrada pelo ex-árbitro internacional, Nuno Bugalho.

Atrás, da esquerda para a direita: Ricardo Pereira, Marco Cabral, Nuno Bugalho (de Coimbra), Marco Silva, Pedro Costa (de Coimbra), Ricardo Silveira e Aníbal Lopes.

À frente, pela mesma ordem: João Pedro Caetano, Luís Sousa e Victor Pereira

Tenho uma grande amizade com o Marco Silva e como Presidente ele é excelente! Dificilmente, o Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol da Horta vai ter alguém como ele! Assumir as rédeas deste órgão não é tarefa fácil, mas sei que ele se entrega de corpo e alma a esta missão, com prejuízo da própria família. Percebe-se que o Marco está de facto ali e não apenas para constar. Foi ele que me motivou a entrar no Futsal como Árbitro, embora eu já tivesse o “bichinho”.

Ainda no que toca a actualizações na carreira, este árbitro florentino também já fez formação de preparadores físicos, em 2018, na Federação Portuguesa de Futebol (FPF), iniciativa que partiu de Marco Silva e que mostrou “uma realidade bem diferente” daquela a que estava habituado.

Numa ilha pequena como as Flores, onde a densidade populacional não atinge os 3.500 habitantes, divididos por dois concelhos, as dificuldades multiplicam-se. Além de haver pouca gente, o Futsal tem como rival directo a Voleibol, que “é forte”. “Os professores de Educação Física têm os miúdos na mão e como o Volei é uma modalidade mais fácil do que o Futsal, cativa um maior número de praticantes”, destaca o entrevistado.

Há anos que o Futsal domina nas Flores e actualmente é praticado em três Clubes de Santa Cruz: Grupo Desportivo “Os Minhocas”, Futebol Clube de Ponta Delgada e Boavista Sport Clube, sendo que o Minhocas tem todos os escalões no activo.

Têm vindo a ser envidados esforços no sentido de o Grupo Desportivo Fazendense, das Lajes, ser reactivado – e numa primeira fase poderia arrancar com escalões de formação – atendendo a que dispõe “de um bom pavilhão e de duas carrinhas, o que seria mais uma forma de dinamizar o Desporto nas Flores”.

2014: Victor Pereira no momento decisivo antes do início do jogo.

Da esquerda para a direita: Cláudio Melo, Victor Pereira, Aníbal Lopes e José Freitas

“A AFH passou a ficar mais perto e as comunicações também ajudaram”

Enquanto árbitro, Victor Pereira lamenta que não haja Futebol de 11 nas Flores, mas reconhece que “se já é difícil fazer uma equipa de Futsal, então de Futebol de 11 seria muito mais!” Por isso, congratula-se com o facto de a III Gala AFHorta - 91º Aniversário, ter tido como palco a ilha das Flores, a qual decorreu no dia 20 de Novembro último, no Auditório Municipal de Santa Cruz. “Foram muitos os olhos postos neste evento de grande relevância para a promoção do Desporto, neste caso o Futsal, e da ilha”, frisa Victor Pereira, que também foi galardoado, prosseguindo: “A realização das Galas é uma belíssima iniciativa, que teve como mentor o Presidente Eduardo Pereira, a quem se deve um trabalho espectacular. Nota-se uma maior aproximação da Associação aos seus Clubes. A AFH passou a ficar mais perto e as comunicações também ajudaram nesse sentido.

O Dr. Faria de Castro foi, igualmente, um bom Presidente e cada um na sua época, claro, mas o Eduardo é mais jovem e tem outra visão, onde nitidamente se destaca a abertura aos Clubes, o que está a funcionar muito bem. As Flores era uma ilha distante, mas agora facilmente tiro dúvidas com o Faial, com o Pico ou com o Corvo. Neste contexto, já sugeri ao Presidente Eduardo Pereira a organização de intercâmbios entre os árbitros das Flores e do Corvo, tal como acontece entre Faial e Pico, o que naturalmente traria custos para a AFH, mas sem dúvida que o saldo seria muito positivo e acredito que venha a ser possível. Por vezes, o Cláudio Nunes desloca-se do Corvo às Flores, mas trata-se de uma iniciativa pessoal, que acontece de forma pontual”.

01 de Junho de 2014: Nuno Silveira, Marcelo Sousa, Victor Pereira, Francisco e João Massa, na final do Torneio Regional de Futebol de 7, decorrido no Estádio da Alagoa, ilha do Faial

Fotografias cedidas por: Victor Pereira

A Arbitragem é uma paixão!

Mesmo com o tempo praticamente todo preenchido, Victor Pereira integrou a Assembleia de Freguesia de Ponta Delgada no mandato anterior e actualmente é o Presidente deste órgão. Além disso, também se encontra envolvido em diferentes actividades na sua comunidade, prevalecendo o gosto por dar de si e do seu tempo a favor dos outros.

Para ele, “a Arbitragem é uma paixão” e o trabalho e dedicação de 26 anos já foram publicamente reconhecidos pela Associação de Futebol da Horta na I Gala, decorrida em 2019, na ilha do Pico, em que recebeu o troféu de Melhor Árbitro de Futsal; e agora na III Gala, realizada nas Flores, tendo sido distinguido com o Prémio Carreira. “Estes troféus representam a valorização do trabalho levado a cabo, sendo um sinal de reconhecimento público, o que tem grande significado para mim. Embora não faça nada a pensar em distinções, obviamente que sabe bem sentir que aquilo que fazemos é apreciado dentro e fora da Associação de Futebol da Horta”.

Na Gala AFHorta - 89º Aniversário, realizada no Pico, Victor Pereira foi galardoado com o Troféu de Melhor Árbitro de Futsal, tendo o mesmo sido entregue pela Directora do Conselho de Arbitragem da AFH, Cláudia Sofia

Fotografias de: José Feliciano

O Árbitro Victor Pereira foi distinguido na III Gala AFHorta - 91º Aniversário com o Troféu Carreira, que foi entregue pelo Delegado do Conselho de Arbitragem da AFH nas Flores, Ricardo Pereira

Fotografia de: Bernardo Pereira